Seja bem vindo (a)!

Sejam bem-vindos (as)! Vamos criar interrogações, incentivar a leitura, instigar o pensar, espalhar sementes...

terça-feira, 28 de dezembro de 2010

Feliz ano novo

“O ensino ideal, a educação ideal, que todos desejamos, há de ser uma educação para a liberdade” (Paulo Freire)



Olá!
Publico essa foto tirada pelas minhas alunas na hora do tchau depois da prova final do SAG. Achei-a representativa e desejo que, simbolicamente, represente todos os alunos e alunas que tive a alegria de conviver e caminhar juntos nesse ano de 2010. Que todos tenham sabedoria e entusiasmo para desbravar novos caminhos nesse ano vindouro.
Publico também, para nossa reflexão, um texto de Frei Betto. Além da mensagem, o texto é cheio de antíteses, paradoxos, metáforas, intertextualidades e diversos recursos linguísticos, que fica impossível ler e não gostar. (não se prendam às palavras desconhecidas; aproveitem a beleza e a profundidade do texto)
        Um feliz e abençoado ano novo para todos e todas e obrigada pelo carinho e pela excelente companhia aqui no Mire e Veja Travessia. Que em 2011 possamos Mirar e Ver muitas coisas boas e enriquecedoras; muitas boas Travessias...
Vamos ao texto:

Feliz Ano Novo

Frei Betto*

          Feliz ano-novo para os que tiveram perdas no ano velho e, ainda assim, recolhem pedras em suas aljavas. Para os colecionadores de afetos que jamais permitem que suas lagartas se transformem em borboletas. Para os cínicos repletos de palavras sem raízes no coração.
          Feliz ano-novo para as bordadeiras de emoções, que gastam a vida desfiando intrigas e agulhando a boa fama alheia. Para os céticos desprovidos de horizontes e para os que se debruçam sobre a própria solidão para contemplar abismos. Para os ressuscitadores de desgraças, para os que se escondem em seus sapatos e para os idólatras que cultuam os poderosos.
          Feliz ano-novo para os que asfixiam a criança dentro de si e para os que se fantasiam de palhaço para camuflar tristezas. Para os que gastam a vida contando dinheiro, sempre em débito com o amor. Para os que acumulam bens e desperdiçam virtudes, ajuntam poder e semeiam mágoas, galgam a fama e pisam em sentimentos.
          Feliz ano-novo para os sonegadores de esperanças e para os que creem apenas nos valores da bolsa. Para os mancos de bondade, cegos de utopias, ébrios de ambições e medrosos perante a ousadia de viver. Para os que têm asas e não sabem voar, são águias e ciscam como galinhas, guardam em si um tigre e miam como gatos.
         Feliz ano-novo para os que se agasalham com gelos e jamais dão ouvidos à sabedoria do fogo. Para os que alugam a própria dignidade e se revestem da ideologia do consenso. Para os que escondem montanhas debaixo da cama, congelam estrela estrelas no bolso e torcem o arco-íris até sangrar.
         Feliz ano-novo para os que exibem no pedestal de sua mente o próprio corpo, jejuam por razões estéticas e mendigam aos olhos alheios a moeda falsa da admiração convencional. Para os que ficam inebriados diante da paisagem televisiva e como Carolina*, veem o mundo passar na janela eletrônica. Para os que proferem palavras furtivas, segregam mentiras, sonham com elefantes de papel e tentam fugir da própria sombra.
         Feliz ano-novo para os voluntários da servidão, para os que amam amar amores e desamores alheios e nunca experimentam e êxtase de uma paixão inefável. Para os crentes desprovidos de fé, para os políticos vazios de senso cívico, para os democratas que exaltam medidas autoritárias.
         Feliz ano-novo para os que fazem de seus dias tijolos de catedrais escuras, navegam em um pingo de água e jamais perdem tempo com uma criança. Para os que cimentam árvores, fazem pontarias em orquídeas e pintam o verde de marrom. Para os que jamais escutam o silêncio, vociferam palavras sem nexo e tratam seus semelhantes como os motoristas reclamam dos buracos da estrada.
         Feliz ano-novo para os que cercam suas almas com arame farpado, abrem com foices seus caminhos na vida e, ainda assim, não sabem que rumo tomar. Para os que traçam labirintos em seus mapas imaginários, enfeitam a vida com buquês de impropérios e rasgam o ventre da água com os seixos adormecidos no leito de seus pesadelos.
         Feliz ano-novo para os que cavalgam em hipocampos grávidos de dinamites, multiplicam teorias para subtrair a prática e escondem a alegria no fundo da gaveta.
         Feliz ano-novo para os que se julgam imortais, incensam a própria imagem e tocam címbalos para os cifrões que lhes servem de prisão E para os que estão terminantemente proibidos de tomar, nas mão vazias de dinheiro, um prato de comida.
         Feliz ano-novo para todos os infelizes que fazem de sua vida luas minguantes e se vestem com escafandro de seus temores, afogados no sal de um oceano ressecado.
Novos sejam para eles o ano, a vida e o espírito, revertidos e revestidos de ensolaradas esperanças.




*refere-se à música de Chico Buarque.
*texto publicado no Jornal o Estado de S. Paulo em 31/12/1997 – A2
* grifo meu
*Frei Betto, frade dominicano e escritor, tendo publicado mais de cinquenta livros, dentre eles, “Alucinado Som de Tuba”, Ed. Ática. Ganhador de diversos prêmios literários e também pela sua luta nos movimentos de direitos humanos e sociais.













sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

Sarau "A Poesia da Canção"

“Quem sabe faz a hora, não espera acontecer” (Geraldo Vandré)


         Olá, todos e todas! 
         Foi um privilégio organizar, proporcionar e vivenciar mais esse espetacular evento artístico em nossa escola. Valorizo em especial o processo, a travessia, vocês sabem disso. Mas quando o produto final fica bonito, a satisfação é imensa. Compartilho com todos os participantes, os parabéns e elogios que a mim foram transmitidos. Parabéns a vocês que participaram e souberam trabalhar em grupo, uns ajudando aos outros, compartilhando e somando talentos tornando possível mais essa vivência e apreciação artística excepcional.
        Ficaram prontas as fotos do sarau e, enfim, posso compartilhar com vocês e todos do Mire e Veja Travessia. É  apenas um pouco do muito que foi esse belíssimo e marcante trabalho.

Acompanhem-me agora nessa linda e inesquecível viagem!

TEXTO DE ABERTURA:


        Queridos alunos e alunas, ex-alunos e alunas, colegas professores, equipe de gestão, inspetores, funcionários e convidados:

         Depois do inesquecível Sarau “Nos Prados de Adélia”, e de carinhosos e insistentes pedidos de alguns alunos, voltamos aqui com o nosso segundo Sarau: “A poesia da Canção”.
         É nosso papel divulgar, instigar, sensibilizar e promover a arte, o que faremos com alegria. Desta vez, além da poesia da poesia, daremos ênfase à poesia da canção.
        O repertório é bastante rico, significativo e bonito, perpassando pelos vários gêneros e épocas da música e da poesia, pois em todos os momentos da nossa história a arte se fez presente, manifestando beleza, sentimentos, protestos e muita poesia.
        Convido todos aqui presentes a reviver, aprender, refletir, apreciar a beleza criada pelos grandes mestres da música e da literatura, hoje representados pelos nossos talentosos alunos e alunas do terceiro ano do Ensino Médio.
        Enfrentar e vencer desafios têm sido o nosso lema na educação. E eles compreenderam bem esse fato ao apresentar esse nosso segundo sarau. Confesso que o que me impulsiona a enfrentar esses desafios, além do amor à arte e à educação, é o talento, a dedicação e o carinho de vocês. Continuem aperfeiçoando seus talentos artísticos e o gosto pelas artes. Isso é fundamental nessa e em todas as fases da vida, pois amplia a visão cultural, social e histórica, aguça a sensibilidade humana e alimenta o espírito. Coisas tão raras na sociedade em que vivemos.
        Obrigada a todos da nossa escola pelo apoio dado, aos ex-alunos pela alegria do reencontro e aos alunos e alunas artistas que aqui se apresentarão agora, obrigada pela amizade, alegrias, emoções, ansiedades e expectativas vividas nos ensaios. Tudo isso nos fez crescer e estreitar laços. Desde já os meus sinceros e carinhosos agradecimentos, parabéns e boa sorte na apresentação.
Professora Eliran.

PROGRAMAÇÃO: 

MÚSICAS, POESIAS E
HOMENAGEM: Aos finalistas do concurso de redação: Caio Aparecido da Rocha Gomes, Carlos Henrique Ferreira da Silva, Emerson Costa Santos e Lucas Marinho Rodrigues. Parabéns!

FOTOS:



+ uma foto:


Espero que tenham gostado!

sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

Poema em linha reta

“Tudo vale a pena se a alma não é pequena.” (Fernando Pessoa, poeta português)

Olá!
Quanta correria! (Ufa!) Final de 4º bimestre... Mesmo assim dei uma passadinha por aqui, com o mesmo carinho de sempre, para:
1. Lembrar  da exposição sobre Fernando Pessoa “As pessoas de Pessoa” que estará no Museu da Língua Portuguesa somente até 31/01/2011. Já fui conferir e recomendo. A exposição está belíssima! Quem  mora em S.P. não pode perder.
2. Deixar "um poema em linha reta”. Quem de nós não já se sentiu assim como Álvaro de Campos (um dos heterônimos de Fernando Pessoa), “tantas vezes reles, tantas vezes porco, tantas vezes vil”?



Poema em linha reta
Fernando Pessoa
(Álvaro de Campos)

Nunca conheci quem tivesse levado porrada.
Todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo.

E eu, tantas vezes reles, tantas vezes porco, tantas vezes vil,
Eu tantas vezes irrespondivelmente parasita,
Indesculpavelmente sujo,
Eu, que tantas vezes não tenho tido paciência para tomar banho,
Eu, que tantas vezes tenho sido ridículo, absurdo,
Que tenho enrolado os pés publicamente nos tapetes das etiquetas,
Que tenho sido grotesco, mesquinho, submisso e arrogante,
Que tenho sofrido enxovalhos e calado,
Que quando não tenho calado, tenho sido mais ridículo ainda;
Eu, que tenho sido cômico às criadas de hotel,
Eu, que tenho sentido o piscar de olhos dos moços de fretes,
Eu, que tenho feito vergonhas financeiras, pedido emprestado sem pagar,
Eu, que, quando a hora do soco surgiu, me tenho agachado
Para fora da possibilidade do soco;
Eu, que tenho sofrido a angústia das pequenas coisas ridículas,
Eu verifico que não tenho par nisto tudo neste mundo.

Toda  a gente que eu conheço e que fala comigo
Nunca teve um ato ridículo, nunca sofreu enxovalho,
Nunca foi senão príncipe - todos eles príncipes - na vida...

Quem me dera ouvir de alguém a voz humana
Que confessasse não um pecado, mas uma infâmia;
Que contasse, não uma violência, mas uma cobardia!
Não, são todos o Ideal, se os oiço e me falam.
Quem há neste largo mundo que me confesse que uma vez foi vil?

Ó príncipes, meus irmãos,

Arre, estou farto de semideuses!
Onde é que há gente no mundo?

Então sou só eu que é vil e errôneo nesta terra?

Poderão as mulheres não os terem amado,
Podem ter sido traídos - mas ridículos nunca!
E eu, que tenho sido ridículo sem ter sido traído,
Como posso eu falar com os meus superiores sem titubear?
Eu, que venho sido vil, literalmente vil,
Vil no sentido mesquinho e infame da vileza.

quarta-feira, 24 de novembro de 2010

Concurso de Redação

“A ideia de trabalho como castigo precisa ser substituída pelo conceito de realizar uma obra” (Mário Sérgio Cortella, filósofo)


                                               Olá!
No segundo ano do concurso de redação, com a participação das terceiras séries do Ensino Médio, apresento, com muita alegria, a redação vencedora de 2010: Nas asas de Brasília, texto de Lucas Marinho (foto).
Uma redação bem poética. Parabéns Lucas! Não só pela redação, mas pelo o que você é: criativo, educado, inteligente, coerente, um ser – pensante. Tenho orgulho de ter conhecido você e tê-lo como meu aluno nesse ano de 2010. Você e os demais finalistas estão convidados a participar do Sarau de Literatura, onde receberão uma singela e bonita condecoração. Parabéns mais uma vez e obrigada por permitir compartilhar o seu bonito texto aqui no Mire e Veja Travessia.

Tema: “Brasília, capital dos brasileiros”
Redação escolhida: 1º lugar


Nas asas de Brasília

         Há 50 anos nascia Brasília, depois de um longo tempo de gestação, filha da promessa; de um sonho real. Sua extensa planície propiciou uma beleza singular de uma riqueza inconcebível. Pela mão de Juscelino Kubitschek o laço que separava o plano da sua conquista foi desatado. A alusão daquele instante, da chegada de Cabral à Vera Cruz, surgiu diante das Asas de Brasília – ali se descobria o Brasil – que nascia sob memória da morte do inconfidente Tiradentes.
        Agora sim, esta nação alçaria voo. A esperança de desenvolvimento surgia com o marco arquitetônico e urbanístico moderno que Brasília representou naquela época e que até hoje representa. Mas ela não é apenas uma cidade moderna e tampouco é somente sede dos Três Poderes. Há muito esperada, ela é a consolidação da democracia no Brasil. No coração da nação, é o cenário das decisões nacionais. É a voz do povo. Nela se estabelece também o futuro dos brasileiros.
        Ela foi palco da opressão contra a ditadura pela força da união do povo. Foi espectadora das grandes passeatas em manifestações aos direitos e à melhoria de vida. Ouvira as buzinas, os slogans, as ovações, as vaias. Por ela caminharam brasileiros cheios de esperanças e Brasília participou delas, não apenas como terra para a sua passagem, mas era uma confidente, pois nela os brasileiros se sentiam à vontade.
        Todas essas conquistas não foram para o Brasil; foram para nós, brasileiros, pois nós somos o Brasil. Brasília foi erguida capital dos brasileiros, nossa capital. Os que dela nasceram são brasilienses, oh! Brasil. E ela – Brasília – é brasileira.

Lucas Marinho Rodrigues – nº 26 – 3º C





"Duas" palavrinhas sobre o blog*


“O real não está na saída nem na chegada: ele se dispõe para a gente é no meio da travessia...” (Guimarães Rosa)


          Olá!
        Com o incentivo e a ajuda dos meus queridos alunos e alunas, eu enfrentei o desafio de criar esse blog como um instrumento pedagógico no trabalho de Língua Portuguesa. Com o blog, não quero só ensinar, mas também aprender; não quero dar respostas prontas e acabadas, mas criar interrogações, incentivar a leitura, instigar o pensar, fazer fluir boas energias, espalhar sementes...
       Sempre grata a esses alunos e alunas que me inspiraram e começaram comigo esse projeto de boas experiências e aprendizagens enriquecedoras, num processo constante de diálogo, interação e troca de idéias, não só nesse blog, mas nos blogs que muitos deles criaram também. Vocês são alunos maravilhosos e inesquecíveis!

Mire, Veja!
Beijos 1000!

Algumas frases norteadoras na minha tarefa de educar:

Vivendo, se aprende; mas o que se aprende, mais, é só a fazer outras maiores perguntas." - Guimarães Rosa

"O senhor... Mire veja: o mais importante e bonito, do mundo, é isto: que as pessoas não estão sempre iguais, ainda não foram terminadas - mas que elas vão sempre mudando. Afinam ou desafinam. Verdade maior. É o que a vida me ensinou. Isso me alegra, montão." - Guimarães Rosa

"Aceito os subterfúgios que me cabem, sem precisar mentir. (...) O que sinto escrevo. Cumpro a sina. Inauguro linhagens, fundo reinos - dor não é amargura." - Adélia Prado

“Não posso ser professor se não percebo cada vez melhor que, por não ser neutra, minha prática exige de mim uma definição. Uma tomada de posição. Decisão. Ruptura. Exige de mim que escolha entre isto e aquilo. Não posso ser professor a favor de quem quer que seja e a favor de não importa o quê.” - Paulo Freire

* Postado em 24/11/2010 para esta pasta

* Escrito na introdução do blog em 25/02/2010.

quarta-feira, 17 de novembro de 2010

Meios de Comunicação X abuso de poder

“Reconhecer o desconhecimento sobre certas coisas é sinal de inteligência e um passo decisivo para a mudança” (Mário Sérgio Cortella, filósofo)

        Recentemente muitos fatos estão acontecendo na sociedade e, às vezes, me sinto como canta Zé Geraldo: “isso tudo acontecendo e eu aqui na praça dando milho aos pombos.”
        Dentre esses fatos, estão: as manifestações de preconceito contra os nordestinos que se intensificaram após as eleições, o ataque contra homossexuais feito por alguns jovens na Avenida Paulista, o ataque escancarado contra o Enem (que, dentre outras coisas, acaba com a “indústria” dos cursinhos e propõe maior oportunidade para pessoas de baixa renda e das diversas regiões do país também cursarem faculdade), a exploração descabida sobre assuntos de sentimentos religiosos e/ou pessoais a partir da véspera do primeiro turno da eleição, a exploração e manipulação da discussão sobre a imprensa brasileira depois do seminário “Comunicações eletrônicas e convergências de mídias”, etc., etc.
        Todos são temas polêmicos, alguns são complexos, mas não podemos ignorá-los. Precisamos nos informar, tomar posição, e, se preciso, agir.
        Aqui no Brasil os grandes meios de comunicação são monopolizados por alguns grupos e famílias e já é conhecido como sendo o 4º poder - além dos três poderes: Legislativo, Executivo e Judiciário – tanto é o poder e o abuso do poder exercido por esses grupos. Vale lembrar que, por ser uma concessão pública, esses meios de comunicação deveriam prestar serviços (de informação, cultura, lazer, comunicação...) à sociedade. Mas, infelizmente, não é isso que acontece.
        Proponho nesta postagem a leitura de um artigo da Carta Maior como fonte de informações e posições alternativas à da grande mídia.

Vamos ao texto:

Regulação de conteúdo é prática corrente em países democráticos


        Ao contrário do que afirma uma parcela da grande imprensa brasileira, medidas de regulação do conteúdo veiculado na radiodifusão são consideradas necessárias para a garantia da pluralidade e o respeito aos direitos humanos, pilares de sociedades democráticas. Experiências apresentadas em seminário internacional revelam o quanto o Brasil está atrasado neste debate. "É uma escolha social promover a diversidade cultural para que não exista o monopólio da indústria cultural e a uniformização", disse Emmanuel Gabla, diretor adjunto do Conselho Superior de Audiovisual, da França. Bia Barbosa, de Brasília

        A história já está ficando repetitiva. Todas as vezes em que se fala de medidas para regular a veiculação de conteúdo audiovisual a reação de uma parcela da grande mídia é a mesma: o governo quer censurar a imprensa e a liberdade de expressão. O que ficou claro, no entanto, a partir de uma série de experiências reguladoras apresentadas no seminário “Comunicações eletrônicas e convergência de mídias”, encerrado nesta quarta (10) em Brasília, foi justamente o contrário. Especialistas da França, Inglaterra, Portugal, Espanha, Estados Unidos e Argentina e também de organismos como a Unesco e a União Européia reafirmaram a importância de regras para a exibição de conteúdos no rádio e na TV para a garantia da pluralidade e o respeito aos direitos humanos, pilares de sociedades democráticas.
        Não se trata, portanto, de censura, porque não há em vigor nesses países a idéia de aprovação prévia para veiculação de um determinado conteúdo. O que existe – sobretudo para os concessionários de rádio e TV, ou seja, o conteúdo jornalístico da mídia impressa e a internet não respondem a essas regulamentações – são regras para a promoção da pluralidade, diversidade, cultura nacional e regional, e imparcialidade jornalística; para a proteção das crianças e adolescentes, e da privacidade; para o combate ao chamado “discurso do ódio” e à injúria e difamação; e para a garantia do direito de resposta dos ouvintes e telespectadores.
        Coincidentemente, a grande maioria desses mecanismos está prevista na Constituição brasileira, mas até hoje não se tornou regras de fato aplicáveis justamente porque o setor da radiodifusão, com o apoio da mídia impressa, bloqueia o debate público sobre a questão, formando uma opinião pública contrária a essa visão na sociedade em geral e também em uma parte do Parlamento.
        Como todas as experiências fizeram questão de destacar, o princípio por trás dessas regras é justamente o da liberdade de expressão, que não é considerada um valor absolutista – e, portanto, tem limites – simplesmente porque não pode ser permitida apenas para alguns, tampouco para violar demais direitos.
        “A liberdade da expressão não pode ser usada para abusar da liberdade de outras pessoas. Incitar a violência contra outras pessoas, por exemplo, é algo que não pode existir nos meios de comunicação”, explicou Wijayananda Jayaweera, Diretor da Divisão de Desenvolvimento da Comunicação da Unesco. “O sistema regulatório existe para servir ao interesse público, e não necessariamente ao interesse dos radiodifusores. Deve garantir a pluralidade e promover a diversidade de idéias, de opiniões, de vozes numa sociedade”, acrescentou.
        “Nas democracias, há mais obrigações de conteúdo para a radiodifusão porque são empresas que estão usando um espaço público e porque o que veiculam tem um impacto muito grande. Por isso, questões como imparcialidade jornalística, discurso de ódio, proteção de crianças no rádio e na TV precisam estar previstas em leis que vão além da legislação geral”, afirmou o canadense Toby Mendel, consultor da Unesco. (...) (http://www.cartamaior.com.br/)
* grifo meu




sexta-feira, 5 de novembro de 2010

Leitura

“Meus filhos terão computadores, sim, mas antes terão livros. Sem livros, sem leitura, os nossos filhos serão incapazes de escrever – inclusive a sua própria história.” (Bill Gates)



Ler é uma atitude inteligente. A proficiência na leitura é algo indispensável nos dias atuais e todos sabem disso. Mas, para além dos conhecimentos, você sabia que a leitura é um alimento para o espírito? Quem tem o hábito da leitura prazerosa é testemunha desse fenômeno maravilhoso, assim com essa blogueira que não vive sem um livro...
Em 2005, num projeto pedagógico “Viagem Nestlé pela Literatura”, com o tema "Nós e os textos: um diálogo incrível que alimenta o espírito", discutimos essa questão a partir da leitura dos livros "O alienista e outros contos" – Machado de Assis e  "Melhores Poemas" – Mário Quintana. Fizemos várias oficinas inesquecíveis e, no final, cada aluno e aluna produziu o seu poema. O poema "Páginas", abaixo, com a primeira versão de uma aluna de 2005 (que esqueci o nome, perdão!) trabalhamos e transformamos no produto final com  a colaboração do grupo. Publico também "Leia, imagine e voe" de Renato, um dos participantes do projeto. Pena que  no meu "quarto de badulaques" não encontrei as fotos do grupo, mas seguem os textos. Vamos juntos viajar um pouquinho? Boa Leitura!

P Á G I N A S

Páginas...
Apenas páginas?!
Lições de vida
Alimento para o espírito
Calços para as dificuldades
Soluções para os problemas
Conhecimentos de vida
Ou apenas diversão.
Eu, tu, ele,
Nós, vós, eles,
Todos no mesmo dilema
Da vida.
No “assassinato” de Quintana
Que não deixa a luz apagar
Na loucura do alienista
Que Machado veio nos contar.
Todos nós envolvidos,
Entrelaçados;
Amantes, cúmplices;
Ou até odiando.
Perdendo-nos
E achando
Identificando-nos
Ou discordando.
Nas palavras,
Frases,
Pontos
De interrogação,
De exclamação,
Vírgulas e
Finais
Felizes.
Ou,
Surpreendentes
Como os rumos que a vida dá.
Recordando a infância
Com a poesia de Quintana.
Alimento o meu espírito
Para uma vida
Sem máscaras.
Para uma velhice, de repente!
Uma segunda vida?
Sei lá.
Não há.
Ou haverá?!
Quero embalar meu espírito
Nas páginas...
Texto,
Tecido,
Para me envolver,
Viver...

*****    *****     *****   ******   *****


LEIA, IMAGINE E VOE

Se você está sozinho,
Perdido na solidão,
Achou uma luz bem forte
No meio da escuridão.

Se a vida está um tédio,
E está tão chato viver,
Você encontrou um remédio
Achou um livro para ler.

Num abismo, num caixote,
Numa montanha ou na prisão
Poderá encontrar liberdade
Se tiver um livro na mão.

Se agora está com fome,
E não tem pão para comer,
Nem só de pão vive o homem
Se existem livros para ler.

Se você é como Ícaro
Sempre sonhou voar...
Voará até sem asas
Basta ler e imaginar.


(Renato Ribeiro Araújo  nº 31 – 3º E - 2005)

quarta-feira, 27 de outubro de 2010

A moça tecelã

“Quem abre o coração à ambição fecha-o à tranquilidade". (Provérbio chinês)

Hoje publico um belíssimo texto de Marina Colasanti (todos os textos dela são belos).  No conto, “A moça tecelã”, a autora, com inteligência, ignora qualquer limite entre a “fantasia” ou a “realidade” e cria uma delicada saga familiar, de ambição e desencanto, onde, com a maior sutileza, o poder feminino faz e refaz o destino.  Agradeço aos meus alunos e alunas Maria de Nazaré, Sueli Alves, Juliana de Carvalho, Eduardo dos Santos, Wellington de Oliveira, Carlos Henrique Pereira, Thais Vilela, Douglas Valentin, Thiago dos Santos e Larissa de Souza pelas bonitas produções inspiradas no texto trabalhado em classe e que hoje embelezam a postagem do Mire e Veja Travessia. 
Boa leitura e/ou releitura a todos e todas!

A MOÇA TECELÃ
 Marina Colasanti*

        Acordava ainda no escuro, como se ouvisse o sol chegando atrás das beiradas da noite. E logo sentava-se ao tear.
        Linha clara, para começar o dia. Delicado traço cor da luz, que ela ia passando entre os fios estendidos, enquanto lá fora a claridade da manhã desenhava o horizonte.
         Depois lãs mais vivas, quentes lãs iam tecendo hora a hora, em longo tapete que nunca acabava.
Se era forte demais o sol, e no jardim pendiam as pétalas, a moça colocava na lançadeira grossos fios cinzentos do algodão mais felpudo. Em breve, na penumbra trazida pelas nuvens, escolhia um fio de prata, que em pontos longos rebordava sobre o tecido. Leve, a chuva vinha cumprimentá-la à janela.
        Mas se durante muitos dias o vento e o frio brigavam com as folhas e espantavam os pássaros, bastava a moça tecer com seus belos fios dourados, para que o sol voltasse a acalmar a natureza.
        Assim, jogando a lançadeira de um lado para outro e batendo os grandes pentes do tear para frente e para trás, a moça passava os seus dias.
        Nada lhe faltava. Na hora da fome tecia um lindo peixe, com cuidado de escamas. E eis que o peixe estava na mesa, pronto para ser comido. Se sede vinha, suave era a lã cor de leite que entremeava o tapete. E à noite, depois de lançar seu fio de escuridão, dormia tranqüila.
        Tecer era tudo o que fazia. Tecer era tudo o que queria fazer.
        Mas tecendo e tecendo, ela própria trouxe o tempo em que se sentiu sozinha, e pela primeira vez pensou em como seria bom ter um marido ao lado.
        Não esperou o dia seguinte. Com capricho de quem tenta uma coisa nunca conhecida, começou a entremear no tapete as lãs e as cores que lhe dariam companhia. E aos poucos seu desejo foi aparecendo, chapéu emplumado, rosto barbado, corpo aprumado, sapato engraxado. Estava justamente acabando de entremear o último fio do ponto dos sapatos, quando bateram à porta.
        Nem precisou abrir. O moço meteu a mão na maçaneta, tirou o chapéu de pluma, e foi entrando em sua vida.
        Aquela noite, deitada no ombro dele, a moça pensou nos lindos filhos que teceria para aumentar ainda mais a sua felicidade.
        E feliz foi, durante algum tempo. Mas se o homem tinha pensado em filhos, logo os esqueceu. Porque tinha descoberto o poder do tear, em nada mais pensou a não ser nas coisas todas que ele poderia lhe dar.
— Uma casa melhor é necessária — disse para a mulher. E parecia justo, agora que eram dois. Exigiu que escolhesse as mais belas lãs cor de tijolo, fios verdes para os batentes, e pressa para a casa acontecer.
Mas pronta a casa, já não lhe pareceu suficiente.
— Para que ter casa, se podemos ter palácio? — perguntou. Sem querer resposta imediatamente ordenou que fosse de pedra com arremates em prata.
        Dias e dias, semanas e meses trabalhou a moça tecendo tetos e portas, e pátios e escadas, e salas e poços. A neve caía lá fora, e ela não tinha tempo para chamar o sol. A noite chegava, e ela não tinha tempo para arrematar o dia. Tecia e entristecia, enquanto sem parar batiam os pentes acompanhando o ritmo da lançadeira.
        Afinal o palácio ficou pronto. E entre tantos cômodos, o marido escolheu para ela e seu tear o mais alto quarto da mais alta torre.
— É para que ninguém saiba do tapete — ele disse. E antes de trancar a porta à chave, advertiu: — Faltam as estrebarias. E não se esqueça dos cavalos!
        Sem descanso tecia a mulher os caprichos do marido, enchendo o palácio de luxos, os cofres de moedas, as salas de criados. Tecer era tudo o que fazia. Tecer era tudo o que queria fazer.
        E tecendo, ela própria trouxe o tempo em que sua tristeza lhe pareceu maior que o palácio com todos os seus tesouros. E pela primeira vez pensou em como seria bom estar sozinha de novo.
        Só esperou anoitecer. Levantou-se enquanto o marido dormia sonhando com novas exigências. E descalça, para não fazer barulho, subiu a longa escada da torre, sentou-se ao tear.
        Desta vez não precisou escolher linha nenhuma. Segurou a lançadeira ao contrário, e jogando-a veloz de um lado para o outro, começou a desfazer seu tecido. Desteceu os cavalos, as carruagens, as estrebarias, os jardins. Depois desteceu os criados e o palácio e todas as maravilhas que continha. E novamente se viu na sua casa pequena e sorriu para o jardim além da janela.
        A noite acabava quando o marido estranhando a cama dura, acordou, e, espantado, olhou em volta. Não teve tempo de se levantar. Ela já desfazia o desenho escuro dos sapatos, e ele viu seus pés desaparecendo, sumindo as pernas. Rápido, o nada subiu-lhe pelo corpo, tomou o peito aprumado, o emplumado chapéu.
        Então, como se ouvisse a chegada do sol, a moça escolheu uma linha clara. E foi passando-a devagar entre os fios, delicado traço de luz, que a manhã repetiu na linha do horizonte.
*Marina Colasanti (1937) nasceu em Asmara, Etiópia, morou 11 anos na Itália e desde 1948 vive no Brasil. Publicou vários livros de contos, crônicas, poemas e histórias infantis. Recebeu o Prêmio Jabuti com Eu sei, mas não devia e também por Rota de Colisão. Colabora, também, em revistas femininas e constantemente é convidada para cursos e palestras em todo o Brasil. É casada com o escritor e poeta Affonso Romano de Sant'Anna.






quarta-feira, 20 de outubro de 2010

Enem e Vestibulares

“O que te dou é apenas sombra do que queria. Dou-te prosa, e o desejo era dar-te poesia.” (Affonso Romano de Sant’anna, poeta e ensaísta)

Olá!
Final de ano chegando e muitos jovens no Brasil inteiro estão preparando para as “provas” que os esperam. Em classe, ao estudar sobre “O Enem e o trabalho”, passamos também pela discussão sobre o Enem e os vestibulares. Vimos que o Enem difere das provas comuns de vestibular, pois “a prova do Enem é contextualizada e interdisciplinar, exigindo do candidato menos memorização excessiva de conteúdos e mais demonstrações de sua capacidade de “como fazer”, colocar em prática os conhecimentos adquiridos nos anos do Ensino Médio. Ao contrário da “decoreba” comum dos vestibulares, a prova do Enem faz com que o aluno pense, raciocine e formule respostas de acordo com o que aprendeu e vivenciou." (caderno do aluno vol. 3)
O antigo Enem foi criado em 1998 para o aluno se auto-avaliar. Agora, com algumas mudanças feitas, começa a substituir o vestibular das Universidades Federais e a tendência é que substitua os tradicionais vestibulares...
Rubem Alves, escritor, educador, psiquiatra, filósofo... (foi reitor da Unicamp) é um crítico do sistema de ensino brasileiro. E, claro, do modelo tradicional de vestibular. Mais uma vez aqui no Mire e Veja, deixo a palavra com ele. Veja o que você acha do que ele diz:

Texto 1:
Fim dos vestibulares?

Minha neta tinha 16 anos. Ela é inteligente, tem determinação e sua cabeça estava cheia daquelas ideias fantásticas que habitam as cabeças adolescentes. Estava se preparando para o vestibular. No sofá ela lia um caderno espiralado lindamente ilustrado. Biologia, ciência fascinante! Quantas revelações fantásticas sobre a vida deveriam se encontrar naquele caderno! Mas ela lê com uma cara de absurdo.
O absurdo produz uma expressão facial característica, mistura de raiva e tédio. Raiva porque é obrigatório que se engula aquilo contra a vontade. Tédio porque aquilo que é obrigatório engolir não faz o menor sentido. E que, por isso mesmo, será logo esquecido.
É preciso que algum fenomenólogo descreva essa expressão fisionômica, tão frequente no rosto dos alunos que se preparam para o vestibular.Fique mordido de curiosidade e quis saber o que ela estava aprendendo de biologia para entrar na universidade. “O que é que você está lendo?”, perguntei. Com uma cara desanimada, ela apontou com o dedo o parágrafo que estava lendo e me passou o caderno. Comecei a ler. E, à medida em que lia, minha cara foi ficando igual à dela. Eis o que li.
“Além da catálase, existem nos peroxíssomos enzimas que participam da degradação de outras substâncias tóxicas, como o etanol e certos radicais livres. Células vegetais possuem glioxissomos, peroxissomos especializados e relacionados com a conversão das reservas de lipídios em carbohidratos. O citosol (ou hialoplasma) é um colóide... No ciosol das células eucarióticas, existe um citoesqueleto constituído fundamentalmente por microfilamentos e microtúbulos, responsável pela ancoragem de organóides... Os microtúbulos têm paredes formadas por moléculas de tubulina...”
Seguia-se uma descrição de complexa rede que forma o rabo do espermatozóide...
A raiva cresceu dentro de mim e quis encontrar o culpado. Pus-me a perguntar: quem tomou a decisão de tornar obrigatório o conhecimento dessas informações? Por que esses saberes devem ser aprendidos? O que é que os adolescentes vão fazer com esses nomes? Nomes, nada mais do que nomes.
Esforço inútil, porque tudo será esquecido. A memória não é burra. Não carrega conhecimentos que não fazem sentido. A memória inteligente sabe esquecer. O absurdo educacional dos vestibulares se encontra no fato de que eu serei reprovado, os reitores serão reprovados, os professores universitários serão reprovados, os professores de cursinhos serão reprovados...
Agora os vestibulares tiveram seu fim decretado. Fico feliz, porque há mais de vinte anos eu tenho estado lutando por isso. O que me levou a pensar muito e a escrever muito sobre esse equívoco educacional. Parte do que eu escrevi se encontra no meu site: www.rubemalves.com.br.
(...)
Fonte: Jornal Folha de S. Paulo.


Texto 2:
OUTDOORS
 Faculdades e universidades espalharam pela cidade outdoors anunciando os vestibulares. Fiquei realmente encantado com a imaginação de quem bolou os ditos outdoors. Porque em todos eles os pais, os filhos e os professores estão rindo de felicidade. Eu nunca vi ninguém, na vida real, sorrir ao falar no vestibular, exceto os sádicos e os masoquistas. Marque com um “x” a opção correta: ( ) Quem bolou os outdoors do vestibular pensa que vestibular é um cruzeiro marítimo em transatlântico de luxo; ( ) Quem bolou os outdoors do vestibular está querendo fazer de bobos os jovens e os seus pais.

Texto 3:
OS VESTIBULARES SE APROXIMAM!
 Teste os seus conhecimentos! Avalie suas chances! Responda essas questões: 1. Calcule o logaritmo neperiano da enésima potência da própria base. 2. O fenômeno da trissomia é provocado pela: (a) simples deleção dos cromossomos; (b) não–disjunção das cromátides; (c ) não reversão que ocorre na diacinese; (d) translocação do cromossoma na mitose. 3. Nos peixes cartilaginosos encontramos a tiflósolis, dobra intestinal também encontrada em: (a) poríferos; (b) platelmintes; (c) asquelmintes; (d) anelídeos; (e) moluscos. 4. Vertebrados anamniotas, tetrápodes, poiquilotermos, de respiração branquial durante a vida larvária e pulmonar, na fase adulta são: (a) répteis; (b) mamíferos; (c) anfíbios; (d) aves; (e) peixes. 5. Quais os afluentes da margem esquerda do rio Amazonas? Se você conseguiu dar respostas corretas a essas questões, cuide-se. Há alguma coisa profundamente errada com a sua cabeça. Falta sabedoria à sua memória. Ela não sabe distinguir entre o digno de ser aprendido e o indigno de ser aprendido. Acho melhor procurar um psiquiatra.
Fonte dos textos 2 e 3: www.rubemalves.com.br/badulaques


quarta-feira, 13 de outubro de 2010

Caetanas bobagens

“ Todos somos muito ignorantes. O que acontece é que nem todos ignoramos as mesmas coisas.” (Albert Einstein (1879-1956), físico)


 Caetano criou uma polêmica ao criticar o trabalho dos linguistas em relação à linguagem popular. E quando o assunto é língua portuguesa, linguística... Marcos Bagno (foto) não deixa barato. E nem deve! Deu a resposta na revista Caros Amigos:

CAETANAS BOBAGENS
Marcos Bagno*

      Caetano Veloso é um dos mais brilhantes letristas, compositores e cantores da nossa música popular. Mas ele não se satisfaz com isso. Também quer ser sociólogo, antropólogo, filósofo, historiador, ensaísta, cineasta, teólogo, crítico literário... Recentemente, decidiu falar de linguística. Com a petulância dos mal-informados e a arrogância das celebridades, acredita que por ter lido Saussure em meados do século passado está autorizado a dissertar sobre e, principalmente, contra os linguistas profissionais. Vá estudar, Caetano: a ciência da linguagem já passou por muitas revoluções epistemológicas desde 1916. Ou não se meta a falar do que não sabe, dizendo que sabe.
      Não tenho como debater todas as bobagens que ele escreveu e que as caetanetes se apressaram, gotejantes, em elogiar. Me restrinjo à defesa que ele faz dos falsos gramáticos que invadiram a mídia brasileira na última década e meia. O problema que os linguistas apontam no trabalho dessas pessoas é que elas apregoam um estereótipo tosco, rígido, estreito e, finalmente, mentiroso de "língua certa" que não corresponde aos usos reais e efetivos nem sequer das nossas elites urbanas mais letradas. Formas linguísticas usadas há mais de um século e consagradas na obra dos nossos melhores escritores são sistematicamente combatidas por esses gramaticóides como "erros", "desvios" e "impropriedades". Opções que aparecem na própria escrita poética de Caetano são veementemente condenadas por eles. Ou não? "Deixa eu cantar pro meu corpo ficar Odara", por exemplo...
      Os linguistas não são populistas nem demagogos. Essa é a acusação tacanha de quem só lê pela metade o que nós escrevemos, se é que lê. Defender as variedades linguísticas das camadas desprestigiadas não significa dizer que esses cidadãos não devem ter acesso a um grau mais elevado de letramento (não sabe o que é letramento? vá estudar!). Todos os linguistas que conheço (e conheço muitos) lutam pelo pleno acesso dos cidadãos às formas prestigiadas de falar e de escrever. Acontece que essas formas prestigiadas reais não são o modelo estúpido e jurássico de "português correto" que os falsos gramáticos tentam inculcar em suas manifestações na mídia. Há um abismo profundo entre a verdadeira norma culta brasileira, falada e escrita pelas nossas camadas privilegiadas, e a "norma oculta" que os gramaticóides defendem. É contra isso que os linguistas se batem. Os brasileiros urbanos letrados falam e escrevem uma língua que não é reconhecida como legítima, porque no nosso imaginário linguístico vigora um ideal de correção inspirado em usos literários lusitanos de meados do século XIX. Se você não fala como Eça de Queirós escreveu, está tudo errado! Até quando, meu pai Oxóssi?
      Infelizmente, quando o assunto é língua, até mesmo as pessoas mais inteligentes se deixam engambelar por aquilo que os estudiosos de língua inglesa chamam de "folk linguistics", um conjunto de mitos, superstições e inverdades sobre a língua e a linguagem que se entranharam na cultura ocidental e que resistem a toda contestação racional, baseada na pesquisa científica e nos dados da realidade. (carosamigos.terra.com.br)

*  Marcos  Bagno é Professor da Universidade de Brasília, é doutor em língua portuguesa pela Universidade de São Paulo, poeta, tradutor e contista premiado.  

* grifo meu

quarta-feira, 6 de outubro de 2010

Corrida de dez dias

“A alegria não chega apenas no encontro do achado mas faz parte do processo da busca” (Paulo Freire – Pedagogia da Autonomia)

Frequentemente várias pessoas e/ou setores da sociedade discutem o papel da mídia e a influência e/ou manipulação da mesma em época de eleições.
Recentemente o tema voltou à tona, envolvendo a Rede Globo, os jornais Folha de S. Paulo e O Estado de S. Paulo, a revista Veja - onde, segundo o escritor Leonardo Boff, “se instalou a razão cínica e o que há de mais falso e chulo da imprensa brasileira” (e eu concordo plenamente) - dentre outros.
Desta vez, a vítima seria o atual presidente da república e a sua candidata a presidente.
Várias pessoas que considero ter credibilidade para abordar o assunto têm se manifestado de forma excepcional. Escolhi uma crônica de Luis Fernando Veríssimo, grande nome da literatura brasileira, publicada no dia 24/09/2010. Espero que contribua para sua reflexão. Vamos à crônica.


CORRIDA DE DEZ DIAS 


Luis Fernando Veríssimo

     De hoje à data da eleição teremos dez dias de manchetes nos jornais e duas edições da Veja. Não sei até quando podem ser publicadas as pesquisas sobre intenção de voto, mas até a última publicação - aquela que, segundo os céticos, é a mais confiável, pois é a que garante a credibilidade e o futuro dos pesquisadores - veremos uma corrida emocionante: o noticiário perseguindo os índices da Dilma para tentar derrubá-los antes da chegada, no dia 3. O prêmio, se conseguirem, será um segundo turno. Se não conseguirem a única dúvida que restará será: se diz a presidente ou a presidenta?
     Até agora as notícias de corrupção na Casa Civil não afetaram os índices da Dilma. Estou escrevendo na terça, talvez as últimas pesquisas mostrem um efeito retardado. Mas ainda faltam dez dias de manchetes e duas edições da Veja, quem sabe o que virá por aí? O governo Lula tem um bom retrospecto na sua competição com o noticiário. A popularidade do Lula não só resistiu a tudo, inclusive às mancadas e aos impropérios do próprio Lula, como cresceu com os oito anos de denúncias e noticiário negativo. Desde UDN x Getúlio nenhum presidente brasileiro foi tão atacado e denunciado quanto Lula. Desde sempre, nenhum presidente brasileiro acabou seu mandato tão bem cotado.
     Acrescente-se ao paradoxo o fato de que o eleitorado brasileiro é tradicionalmente, às vezes simplisticamente, moralista. Elegeu Jânio para varrer a sujeira do governo Juscelino, elegeu Collor para acabar com os marajás, aplaudiu a queda do Collor por corrupção presumida e houve até quem pedisse o impedimento do Itamar por proximidade temerária com calcinha transparente. Mas o moralismo tornou-se politicamente irrelevante com Lula e, por tabela, para os índices da Dilma. É improvável que volte a ser decisivo em dez dias. Mas nunca se sabe. O que talvez precise ser revisado, depois dos oito anos do Lula e depois destas eleições, quando a poeira baixar, seja o conceito da imprensa como formadora de opiniões.
     Mas a corrida dos dez dias começa hoje e seu resultado ninguém pode prever com certeza. Virá alguma bomba de fragmentação de última hora ou tudo que poderia explodir já explodiu? O que prevalecerá no final, os índices inalterados da Dilma ou o noticiário? Faça a sua aposta.



Fonte: jornal O Estado de S. Paulo – 24/09/2010.
*grifo meu.

quinta-feira, 30 de setembro de 2010

O Bicho

“Enquanto houver pobres e excluídos... Teologia da Libertação: mil razões para continuar.” (Dirceu Benincá, cientista social, RS)





O BICHO

Vi ontem um bicho
Na imundície do pátio
Catando comida entre os detritos.


Quando achava alguma coisa,
Não examinava nem cheirava:
Engolia com voracidade.


O bicho não era um cão,
Não era um gato,
Não era um rato.


O bicho, meu Deus, era um homem.



Manuel Bandeira
Rio, 27 de dezembro de 1947



quarta-feira, 22 de setembro de 2010

Vidas Tiradas

“Há pessoas que nos falam e nem as escutamos; há pessoas que nos ferem e nem cicatrizes deixam, mas há pessoas que simplesmente aparecem em nossa vida e nos marcam para sempre.” (Cecília Meireles)

Olá!

Hoje registro  no Mire e Veja Travessia um bonito poema, "Vidas Tiradas" que mostra uma faceta cruel da realidade, principalmente das grandes metrópoles.
Descobri que há tempos “ele” já escrevia poemas. Mas a impressão que tenho é que em 2010 foi o ano em que ele se revelou. Depois da parceria com o Emerson – seu amigo e colega de classe - no poema “Além do Luar”, “Prêmio ser autor”, a produção poética dele tem aumentado em número e qualidade com um repertório de poemas bastante eclético e bonito.
Quem é o poeta?

Carlos Henrique (foto). Para mim, simplesmente Carlos, que além de aluno, é um grande amigo. É uma pessoa que, por onde passa, cativa a todos, “cria laços”, deixa luz. Tem todas as qualidades que se espera de um jovem, de um amigo, de um aluno, de um ser humano. Aproveito a postagem de hoje e publico também “Pré-conceito”, outro poema dele que traz uma verdadeira reflexão sobre o jovem atualmente.
Para conhecer mais poemas do Carlos e outras postagens bacanas e inteligentes, visitem o seu blog navegarepartilhar.blogspot.com
Espero que todos os jovens despertem o gosto pela escrita e leitura de textos poéticos, pois neles encontramos elementos que despertam e expressam os nossos sentimentos, nossa visão de mundo e, às vezes, nossa indignação diante de situações de injustiças, violências, etc.,  sempre fazendo uma significativa parceria leitor-escritor.
Aqui faço minha as palavras de um professor de infância do escritor Frei Betto - também Carlos (Alberto) - ao entregar uma redação dele na escola.
- Carlos, você só não será escritor se não quiser.

VAMOS AOS POEMAS:


VIDAS TIRADAS

Rio, São Paulo, Brasil, tiro,
Tá, tá, tá, tá, tá,
É tiro sem parar.

Agressão, decadência, humilhação, tiro,
Tá, tá, tá, tá, tá,
Violência de matar.

Crianças, mulheres, todos, tiro,
Tá, tá, tá, tá, tá,
Pessoas a sangrar.

Negros, brancos, todos, tiro,
Tá, tá, tá, tá, tá,
Famílias a chorar.

Pobres, ricos, todos, tiro,
Tá, tá, tá, tá, tá,
Silêncio de gritar.

Vergonha, tristeza, dor. Tiro.


*****

PRÉ-CONCEITO


Um ficar,
Dois "bagunçar",
Três piercings,
Quatro tatuagens,
Cinco malandragens,
Seis maluquices,
Sete vandalismos;
Será que é só isso?

Estamos na política,
Na educação,
Na saúde,
Na contramão...
Sofrendo o preconceito
Da generalização
Da imagem
Do jovem desta geração.

Temos quase tudo.
Mas falta o importante!
Impacto causamos,
A atenção chamamos,
Queremos nosso espaço;
Queremos igualdade,
Queremos de verdade
Ser jovens cidadãos.
Carlos Henrique 2010
*******************

 *Hoje, 10 de fevereiro de 2012, além do prêmio “Ser Autor”, citado na postagem, Carlos já tem um poema publicado no Jornal impresso “Mundo Jovem” -  PUC-RS, e mais três poemas publicados no site do mesmo jornal.  Parabéns, meu jovem poeta!