Esse é o
terceiro “natal do Mire e Veja Travessia”. Reconheço que nossos encontros aqui,
neste ano, foram mais raros, mas, nem por isso, menos intensos.
Sempre procuro, com cuidado e carinho, um texto capaz de despertar em nós,
sensações dignas dessa época do natal de Jesus-Menino e dos desejos para o ano vindouro, ambos despertando em nós o sentimento de VIDA NOVA, DE NOVOS E
BONS PROPÓSITOS. Sempre opto por textos de Frei Betto, um escritor poético e
profético.
Mas nesse
ano foi diferente. O texto (crônica) veio parar em minhas mãos por meio de um professor,
companheiro de sonhos, lutas e gosto poético. Não tive dúvidas: É o texto que
procurava para esse espaço de reflexão que é o Mire e Veja. E ei-lo aqui. Contempla
várias culturas, bem como mostra "uma das interpretações das lendas
maias, do fim de um longo tempo de escuridão". Por isso eu luto e isso espero para 2013 em todos os cantos do mundo.
E que o
sentimento presente numa noite tão especial como a de Natal seja portador de
muita PAZ, JUSTIÇA, AMOR E ALEGRIA no ano novo. Oxalá!
21/12/2012
Farejando auroras...*
Elaine Tavares
E então já está por aí o Natal. É o que me diz a televisão
em promoções a granel. Já, para mim, essa não é uma data de presentes e compras
compulsivas. É o aniversário de um dos meus deusinhos: Yeshua, Jesus. Digo
deusinho porque não arrogo a ele poderes sobrenaturais. O vejo assim, homem,
cheio de dúvidas sobre seu destino, a clamar pelo pai na cruz. O vejo menino, a
questionar as leis junto aos velhos encarquilhados em certezas ultrapassadas e
aprisionantes. O vejo jovem, a arrancar os outros de seu conforto, propondo a
ilegalidade e a rebeldia. Gosto demais desse Jesus arrogante, a expulsar
vendilhões do templo, denunciando-os e apontando-lhes o dedo. Encanto-me com o
Jesus que se coloca diante do poder e, arriscando morrer, levanta a cara e diz
ao ser acusado de ser deus: “assim o dissestes”. E se entrega ao juízo do povo,
mesmo sabendo que esse mesmo povo que ele tanto amou, o vai abandonar,
preferindo Barrabás. É esse guri que eu espero nas noites de natal. Aguardo,
cheia de esperança, que ele renasça nos jovens que vejo andar por aí a fazer a
luta, a questionar as leis, a apontar os vendilhões, a demolir as certezas de
um sistema que mata e
exclui.
Sei também que a data do natal está conectada a tempos
ancestrais, celebrados desde as eras imemoriais por todas as culturas da terra.
O solstício de verão, o começo de uma nova estação cheia de beleza e luz. Sei
que era nesse dezembro que as gentes de outros tempos dançavam sob o fogo,
cantavam e esperavam que a vida revivesse e a roda do mundo seguisse seu curso
no rumo do bem-virá. Por isso, gosto também de me perder nessa esperança do
povo andino, o Qhapac Rayme, e oferecer alimento a mãe-terra, Pachamama,
confiando em suas bênçãos e na vida que brota. É alimento, e faz com que eu
veja que as coisas sempre nascem, do nada, da dor, da desesperança, da
desilusão. Há sempre um reviver. Isso é o natal, essa data mágica de todas as
fés.
Então, quando chega esses dias de natal, gosto de celebrar.
Um pouco como as culturas antigas, um pouco como as da minha gente ancestral,
mas, nascida e criada na herança cristã, também me apetece compartilhar com meu
deusinho o dia do seu nascimento. Porque Jesus, como tantas outras divindades
de tantas outras religiões, nasce no dezembro, perto do solstício, essa noite
curta que promete vida, e nada mais. Tão simples, tão densa. E, nesse 2012,
ainda mergulhada nas interpretações das lendas maias, de fim de um longo tempo
de escuridão. Porque é disso que falam os maias. Fim de uma era, começo de
belezas... Talvez, como dizem os andinos, o começo de um novo pachakuti, uma
virada de pernas para o ar de tudo que há. Outra lógica, outra forma de viver
no mundo. Quem nos impede de crer? E de lutar por
isso?
Assim, este ano, nesses dias que antecedem o natal, o fim
da era maia, o novo pachakuti, vou adentrar pelas noites, farejando a vida. Que
ela venha, pelas mãos dos velhos amigos, e na caminhada dos novos, que chegam
agora e já se comprometem com tanta força. Espero-te meu deusinho, assim como
espero todas as divinas criaturas capazes de brotar fogueiras em mim e em todos
os que amo! Porque acredito que não há escolhidos, eleitos, nem deuses que são
maiores que outros. Toda a crença do homem, inventada para sustentar seus
terrores, remete a uma única e abençoada certeza: de que somos uma raça frágil,
que necessitamos uns dos outros, e que estamos procurando, juntos, a terra sem
males.
Então, desde o 21 de dezembro até o natal, que se dance
pelas ruas, como dizia Nietzsche, e que seja tudo pelo bem das gentes. Todas as
gentes, com todos os deuses e deusas... E que brote o amor, esse sentimento
revolucionário, e que se mude a vida...
Elaine Tavares é jornalista
Fonte: Jornal Brasil de Fato - 06 a 12 de dezembro de 2012
*Grifo meu
p.s. Obrigada, Isael Marcos, por fazer tão belo texto chegar às minhas mãos.
*Grifo meu
p.s. Obrigada, Isael Marcos, por fazer tão belo texto chegar às minhas mãos.