Olá todos e todas!
Como diz Marisa Lajolo, a inventividade humana é infinita e a língua nossa de cada dia é campo sempre fecundo para a manifestação do humor, da sensibilidade, da inteligência.
(Para quem, por acaso, não se lembra, pleonasmo ou redundância é a repetição de uma ideia ou conceito, com a finalidade de enfatizar. “Vi claramente visto o lume vivo”. (Camões) – “Vi com meus próprios olhos o terrível acidente”. “Viver a vida” (novela da TV globo). ATENÇÃO!!! o pleonasmo pode ser também um vício de linguagem: “subir para cima”, “descer para baixo”,“entrar para dentro”... )
Então vamos lá! Boa leitura!
OLHA O PLEONASMO!
MARCELO DUARTE*
O Dínamo, tradicional time de futebol do estado, estava há 17 anos sem conquistar um título. Pior: no último campeonato ficou ameaçado de cair para a Segunda Divisão. A oposição dentro do clube cresceu e escolheu o professor Ramalho para ser seu candidato à presidência. Ramalho era professor aposentado de Língua Portuguesa. Tinha tempo de sobra, portanto, para se dedicar a reerguer o time. Abertas as urnas, ganhou apertado, mas ganhou. Com ajuda de amigos empresários, o cartola anunciou uma contratação de impacto para a temporada: o centroavante Zuba. A imprensa toda foi para a sede do clube acompanhar a primeira coletiva do craque:
- Esse sorriso nos meus lábios é para mostrar que o Dínamo vai sair para fora dessa situação – declarou, vestindo a camisa amarela e preta número 9 pela primeira vez.
Ao final da entrevista, guardião austero do bom português, o professor Ramalho passou pelo jogador e cochichou:
- Olha o pleonasmo!
Zuba não entendeu o que o presidente quis dizer. Ficou com um enorme ponto de interrogação na cara.
Na partida de estreia de Zuba, o Dínamo conseguiu uma vitória sobre o Atlântico, um de seus maiores rivais. O centroavante marcou dois gols. Foi eleito o melhor em campo e acabou cercado de repórteres na saída do campo:
- De agora em diante vamos encarar de frente todos os nossos adversários!
O professor Ramalho, que havia entrado no gramado para abraçar seu goleador, esperou os repórteres se dispersarem e disse baixinho outra vez:
- Olha o pleonasmo!
O Dínamo começou a subir na tabela e logo Zuba se transformou no artilheiro do campeonato nacional. Passou a ser convidado a participar das mesas-redondas na TV. Em uma delas, teve a humildade de dividir os méritos da campanha com Tony seu companheiro de time.
- Ele é o elo de ligação entre o meio-de-campo e o ataque do nosso time.
Ao sair da emissora, recebeu um torpedo no celular enviado pelo presidente:
- Parabéns ela entrevista. Muito boa. Mas olha o pleonasmo!
Com uma vitória atrás da outra, a torcida passou a prestigiar os jogos do Dínamo. O estádio estava sempre lotado. Zuba era sempre o mais aplaudido. Em campo, correspondia com gols e mais gols. Na semifinal, contra o Liberdade, não marcou, mas deu um passe primoroso para o ponta-esquerda Pedrão mandar para as redes.
- O que nos interessa é vencer. Se sou eu quem faz a conclusão final ou não, pouco importa.
À sua frente no vestiário, só que um pouco distante, ele enxergou o presidente, feliz da vida, mexendo os lábios. Não era preciso ser especialista em leitura labial para entender o que ele estava dizendo:
“Olha o pleonasmo!”.
Chegou o dia da grande final. Estádio abarrotado, transmissão ao vivo pela TV. O Dínamo sofreu um sufoco no início, mas conseguiu equilibrar a partida no final do primeiro tempo. Os minutos iam passando e os dois times não paravam de perder chances. Até que, a oito minutos do final, Zuba entrou na área do Cometas. Era a oportunidade do Dínamo acabar com o jejum de títulos.
A torcida começou a gritar o nome de Zuba. Ele não fugiu da responsabilidade. Apanhou a bola e pediu para bater. E bateu com elegância. Bola num canto, goleiro no outro. Depois da volta olímpica, o artilheiro atendeu os inúmeros repórteres, que quase enfiavam os microfones em sua boca.
- Quero dedicar essa vitória em especial ao nosso presidente, professor Ramalho. Primeiro por ter acreditado no meu futebol e ter me contratado.
Procurou o dirigente com os olhos. Quando o encontrou, Zuba deu um sorrisinho e continuou:
- E quero, principalmente, agradecer a ele pela dica que me deu na hora de cobrar o pênalti.
O cartola ficou todo envaidecido. Mas... a qual dica o jogador estava se referindo? Zuba logo matou a charada:
- Quando corri para a bola, olhei bem nos olhos do goleiro adversário, apontei para um canto e disse: “Olha o pleonasmo!”. Ele virou para o lado direito e eu mandei a bola no esquerdo.
*DUARTE, Marcelo. Lições de gramática para quem gosta de literatura: Panda Books, 2007, p.53.