Seja bem vindo (a)!

Sejam bem-vindos (as)! Vamos criar interrogações, incentivar a leitura, instigar o pensar, espalhar sementes...

quarta-feira, 27 de outubro de 2010

A moça tecelã

“Quem abre o coração à ambição fecha-o à tranquilidade". (Provérbio chinês)

Hoje publico um belíssimo texto de Marina Colasanti (todos os textos dela são belos).  No conto, “A moça tecelã”, a autora, com inteligência, ignora qualquer limite entre a “fantasia” ou a “realidade” e cria uma delicada saga familiar, de ambição e desencanto, onde, com a maior sutileza, o poder feminino faz e refaz o destino.  Agradeço aos meus alunos e alunas Maria de Nazaré, Sueli Alves, Juliana de Carvalho, Eduardo dos Santos, Wellington de Oliveira, Carlos Henrique Pereira, Thais Vilela, Douglas Valentin, Thiago dos Santos e Larissa de Souza pelas bonitas produções inspiradas no texto trabalhado em classe e que hoje embelezam a postagem do Mire e Veja Travessia. 
Boa leitura e/ou releitura a todos e todas!

A MOÇA TECELÃ
 Marina Colasanti*

        Acordava ainda no escuro, como se ouvisse o sol chegando atrás das beiradas da noite. E logo sentava-se ao tear.
        Linha clara, para começar o dia. Delicado traço cor da luz, que ela ia passando entre os fios estendidos, enquanto lá fora a claridade da manhã desenhava o horizonte.
         Depois lãs mais vivas, quentes lãs iam tecendo hora a hora, em longo tapete que nunca acabava.
Se era forte demais o sol, e no jardim pendiam as pétalas, a moça colocava na lançadeira grossos fios cinzentos do algodão mais felpudo. Em breve, na penumbra trazida pelas nuvens, escolhia um fio de prata, que em pontos longos rebordava sobre o tecido. Leve, a chuva vinha cumprimentá-la à janela.
        Mas se durante muitos dias o vento e o frio brigavam com as folhas e espantavam os pássaros, bastava a moça tecer com seus belos fios dourados, para que o sol voltasse a acalmar a natureza.
        Assim, jogando a lançadeira de um lado para outro e batendo os grandes pentes do tear para frente e para trás, a moça passava os seus dias.
        Nada lhe faltava. Na hora da fome tecia um lindo peixe, com cuidado de escamas. E eis que o peixe estava na mesa, pronto para ser comido. Se sede vinha, suave era a lã cor de leite que entremeava o tapete. E à noite, depois de lançar seu fio de escuridão, dormia tranqüila.
        Tecer era tudo o que fazia. Tecer era tudo o que queria fazer.
        Mas tecendo e tecendo, ela própria trouxe o tempo em que se sentiu sozinha, e pela primeira vez pensou em como seria bom ter um marido ao lado.
        Não esperou o dia seguinte. Com capricho de quem tenta uma coisa nunca conhecida, começou a entremear no tapete as lãs e as cores que lhe dariam companhia. E aos poucos seu desejo foi aparecendo, chapéu emplumado, rosto barbado, corpo aprumado, sapato engraxado. Estava justamente acabando de entremear o último fio do ponto dos sapatos, quando bateram à porta.
        Nem precisou abrir. O moço meteu a mão na maçaneta, tirou o chapéu de pluma, e foi entrando em sua vida.
        Aquela noite, deitada no ombro dele, a moça pensou nos lindos filhos que teceria para aumentar ainda mais a sua felicidade.
        E feliz foi, durante algum tempo. Mas se o homem tinha pensado em filhos, logo os esqueceu. Porque tinha descoberto o poder do tear, em nada mais pensou a não ser nas coisas todas que ele poderia lhe dar.
— Uma casa melhor é necessária — disse para a mulher. E parecia justo, agora que eram dois. Exigiu que escolhesse as mais belas lãs cor de tijolo, fios verdes para os batentes, e pressa para a casa acontecer.
Mas pronta a casa, já não lhe pareceu suficiente.
— Para que ter casa, se podemos ter palácio? — perguntou. Sem querer resposta imediatamente ordenou que fosse de pedra com arremates em prata.
        Dias e dias, semanas e meses trabalhou a moça tecendo tetos e portas, e pátios e escadas, e salas e poços. A neve caía lá fora, e ela não tinha tempo para chamar o sol. A noite chegava, e ela não tinha tempo para arrematar o dia. Tecia e entristecia, enquanto sem parar batiam os pentes acompanhando o ritmo da lançadeira.
        Afinal o palácio ficou pronto. E entre tantos cômodos, o marido escolheu para ela e seu tear o mais alto quarto da mais alta torre.
— É para que ninguém saiba do tapete — ele disse. E antes de trancar a porta à chave, advertiu: — Faltam as estrebarias. E não se esqueça dos cavalos!
        Sem descanso tecia a mulher os caprichos do marido, enchendo o palácio de luxos, os cofres de moedas, as salas de criados. Tecer era tudo o que fazia. Tecer era tudo o que queria fazer.
        E tecendo, ela própria trouxe o tempo em que sua tristeza lhe pareceu maior que o palácio com todos os seus tesouros. E pela primeira vez pensou em como seria bom estar sozinha de novo.
        Só esperou anoitecer. Levantou-se enquanto o marido dormia sonhando com novas exigências. E descalça, para não fazer barulho, subiu a longa escada da torre, sentou-se ao tear.
        Desta vez não precisou escolher linha nenhuma. Segurou a lançadeira ao contrário, e jogando-a veloz de um lado para o outro, começou a desfazer seu tecido. Desteceu os cavalos, as carruagens, as estrebarias, os jardins. Depois desteceu os criados e o palácio e todas as maravilhas que continha. E novamente se viu na sua casa pequena e sorriu para o jardim além da janela.
        A noite acabava quando o marido estranhando a cama dura, acordou, e, espantado, olhou em volta. Não teve tempo de se levantar. Ela já desfazia o desenho escuro dos sapatos, e ele viu seus pés desaparecendo, sumindo as pernas. Rápido, o nada subiu-lhe pelo corpo, tomou o peito aprumado, o emplumado chapéu.
        Então, como se ouvisse a chegada do sol, a moça escolheu uma linha clara. E foi passando-a devagar entre os fios, delicado traço de luz, que a manhã repetiu na linha do horizonte.
*Marina Colasanti (1937) nasceu em Asmara, Etiópia, morou 11 anos na Itália e desde 1948 vive no Brasil. Publicou vários livros de contos, crônicas, poemas e histórias infantis. Recebeu o Prêmio Jabuti com Eu sei, mas não devia e também por Rota de Colisão. Colabora, também, em revistas femininas e constantemente é convidada para cursos e palestras em todo o Brasil. É casada com o escritor e poeta Affonso Romano de Sant'Anna.






quarta-feira, 20 de outubro de 2010

Enem e Vestibulares

“O que te dou é apenas sombra do que queria. Dou-te prosa, e o desejo era dar-te poesia.” (Affonso Romano de Sant’anna, poeta e ensaísta)

Olá!
Final de ano chegando e muitos jovens no Brasil inteiro estão preparando para as “provas” que os esperam. Em classe, ao estudar sobre “O Enem e o trabalho”, passamos também pela discussão sobre o Enem e os vestibulares. Vimos que o Enem difere das provas comuns de vestibular, pois “a prova do Enem é contextualizada e interdisciplinar, exigindo do candidato menos memorização excessiva de conteúdos e mais demonstrações de sua capacidade de “como fazer”, colocar em prática os conhecimentos adquiridos nos anos do Ensino Médio. Ao contrário da “decoreba” comum dos vestibulares, a prova do Enem faz com que o aluno pense, raciocine e formule respostas de acordo com o que aprendeu e vivenciou." (caderno do aluno vol. 3)
O antigo Enem foi criado em 1998 para o aluno se auto-avaliar. Agora, com algumas mudanças feitas, começa a substituir o vestibular das Universidades Federais e a tendência é que substitua os tradicionais vestibulares...
Rubem Alves, escritor, educador, psiquiatra, filósofo... (foi reitor da Unicamp) é um crítico do sistema de ensino brasileiro. E, claro, do modelo tradicional de vestibular. Mais uma vez aqui no Mire e Veja, deixo a palavra com ele. Veja o que você acha do que ele diz:

Texto 1:
Fim dos vestibulares?

Minha neta tinha 16 anos. Ela é inteligente, tem determinação e sua cabeça estava cheia daquelas ideias fantásticas que habitam as cabeças adolescentes. Estava se preparando para o vestibular. No sofá ela lia um caderno espiralado lindamente ilustrado. Biologia, ciência fascinante! Quantas revelações fantásticas sobre a vida deveriam se encontrar naquele caderno! Mas ela lê com uma cara de absurdo.
O absurdo produz uma expressão facial característica, mistura de raiva e tédio. Raiva porque é obrigatório que se engula aquilo contra a vontade. Tédio porque aquilo que é obrigatório engolir não faz o menor sentido. E que, por isso mesmo, será logo esquecido.
É preciso que algum fenomenólogo descreva essa expressão fisionômica, tão frequente no rosto dos alunos que se preparam para o vestibular.Fique mordido de curiosidade e quis saber o que ela estava aprendendo de biologia para entrar na universidade. “O que é que você está lendo?”, perguntei. Com uma cara desanimada, ela apontou com o dedo o parágrafo que estava lendo e me passou o caderno. Comecei a ler. E, à medida em que lia, minha cara foi ficando igual à dela. Eis o que li.
“Além da catálase, existem nos peroxíssomos enzimas que participam da degradação de outras substâncias tóxicas, como o etanol e certos radicais livres. Células vegetais possuem glioxissomos, peroxissomos especializados e relacionados com a conversão das reservas de lipídios em carbohidratos. O citosol (ou hialoplasma) é um colóide... No ciosol das células eucarióticas, existe um citoesqueleto constituído fundamentalmente por microfilamentos e microtúbulos, responsável pela ancoragem de organóides... Os microtúbulos têm paredes formadas por moléculas de tubulina...”
Seguia-se uma descrição de complexa rede que forma o rabo do espermatozóide...
A raiva cresceu dentro de mim e quis encontrar o culpado. Pus-me a perguntar: quem tomou a decisão de tornar obrigatório o conhecimento dessas informações? Por que esses saberes devem ser aprendidos? O que é que os adolescentes vão fazer com esses nomes? Nomes, nada mais do que nomes.
Esforço inútil, porque tudo será esquecido. A memória não é burra. Não carrega conhecimentos que não fazem sentido. A memória inteligente sabe esquecer. O absurdo educacional dos vestibulares se encontra no fato de que eu serei reprovado, os reitores serão reprovados, os professores universitários serão reprovados, os professores de cursinhos serão reprovados...
Agora os vestibulares tiveram seu fim decretado. Fico feliz, porque há mais de vinte anos eu tenho estado lutando por isso. O que me levou a pensar muito e a escrever muito sobre esse equívoco educacional. Parte do que eu escrevi se encontra no meu site: www.rubemalves.com.br.
(...)
Fonte: Jornal Folha de S. Paulo.


Texto 2:
OUTDOORS
 Faculdades e universidades espalharam pela cidade outdoors anunciando os vestibulares. Fiquei realmente encantado com a imaginação de quem bolou os ditos outdoors. Porque em todos eles os pais, os filhos e os professores estão rindo de felicidade. Eu nunca vi ninguém, na vida real, sorrir ao falar no vestibular, exceto os sádicos e os masoquistas. Marque com um “x” a opção correta: ( ) Quem bolou os outdoors do vestibular pensa que vestibular é um cruzeiro marítimo em transatlântico de luxo; ( ) Quem bolou os outdoors do vestibular está querendo fazer de bobos os jovens e os seus pais.

Texto 3:
OS VESTIBULARES SE APROXIMAM!
 Teste os seus conhecimentos! Avalie suas chances! Responda essas questões: 1. Calcule o logaritmo neperiano da enésima potência da própria base. 2. O fenômeno da trissomia é provocado pela: (a) simples deleção dos cromossomos; (b) não–disjunção das cromátides; (c ) não reversão que ocorre na diacinese; (d) translocação do cromossoma na mitose. 3. Nos peixes cartilaginosos encontramos a tiflósolis, dobra intestinal também encontrada em: (a) poríferos; (b) platelmintes; (c) asquelmintes; (d) anelídeos; (e) moluscos. 4. Vertebrados anamniotas, tetrápodes, poiquilotermos, de respiração branquial durante a vida larvária e pulmonar, na fase adulta são: (a) répteis; (b) mamíferos; (c) anfíbios; (d) aves; (e) peixes. 5. Quais os afluentes da margem esquerda do rio Amazonas? Se você conseguiu dar respostas corretas a essas questões, cuide-se. Há alguma coisa profundamente errada com a sua cabeça. Falta sabedoria à sua memória. Ela não sabe distinguir entre o digno de ser aprendido e o indigno de ser aprendido. Acho melhor procurar um psiquiatra.
Fonte dos textos 2 e 3: www.rubemalves.com.br/badulaques


quarta-feira, 13 de outubro de 2010

Caetanas bobagens

“ Todos somos muito ignorantes. O que acontece é que nem todos ignoramos as mesmas coisas.” (Albert Einstein (1879-1956), físico)


 Caetano criou uma polêmica ao criticar o trabalho dos linguistas em relação à linguagem popular. E quando o assunto é língua portuguesa, linguística... Marcos Bagno (foto) não deixa barato. E nem deve! Deu a resposta na revista Caros Amigos:

CAETANAS BOBAGENS
Marcos Bagno*

      Caetano Veloso é um dos mais brilhantes letristas, compositores e cantores da nossa música popular. Mas ele não se satisfaz com isso. Também quer ser sociólogo, antropólogo, filósofo, historiador, ensaísta, cineasta, teólogo, crítico literário... Recentemente, decidiu falar de linguística. Com a petulância dos mal-informados e a arrogância das celebridades, acredita que por ter lido Saussure em meados do século passado está autorizado a dissertar sobre e, principalmente, contra os linguistas profissionais. Vá estudar, Caetano: a ciência da linguagem já passou por muitas revoluções epistemológicas desde 1916. Ou não se meta a falar do que não sabe, dizendo que sabe.
      Não tenho como debater todas as bobagens que ele escreveu e que as caetanetes se apressaram, gotejantes, em elogiar. Me restrinjo à defesa que ele faz dos falsos gramáticos que invadiram a mídia brasileira na última década e meia. O problema que os linguistas apontam no trabalho dessas pessoas é que elas apregoam um estereótipo tosco, rígido, estreito e, finalmente, mentiroso de "língua certa" que não corresponde aos usos reais e efetivos nem sequer das nossas elites urbanas mais letradas. Formas linguísticas usadas há mais de um século e consagradas na obra dos nossos melhores escritores são sistematicamente combatidas por esses gramaticóides como "erros", "desvios" e "impropriedades". Opções que aparecem na própria escrita poética de Caetano são veementemente condenadas por eles. Ou não? "Deixa eu cantar pro meu corpo ficar Odara", por exemplo...
      Os linguistas não são populistas nem demagogos. Essa é a acusação tacanha de quem só lê pela metade o que nós escrevemos, se é que lê. Defender as variedades linguísticas das camadas desprestigiadas não significa dizer que esses cidadãos não devem ter acesso a um grau mais elevado de letramento (não sabe o que é letramento? vá estudar!). Todos os linguistas que conheço (e conheço muitos) lutam pelo pleno acesso dos cidadãos às formas prestigiadas de falar e de escrever. Acontece que essas formas prestigiadas reais não são o modelo estúpido e jurássico de "português correto" que os falsos gramáticos tentam inculcar em suas manifestações na mídia. Há um abismo profundo entre a verdadeira norma culta brasileira, falada e escrita pelas nossas camadas privilegiadas, e a "norma oculta" que os gramaticóides defendem. É contra isso que os linguistas se batem. Os brasileiros urbanos letrados falam e escrevem uma língua que não é reconhecida como legítima, porque no nosso imaginário linguístico vigora um ideal de correção inspirado em usos literários lusitanos de meados do século XIX. Se você não fala como Eça de Queirós escreveu, está tudo errado! Até quando, meu pai Oxóssi?
      Infelizmente, quando o assunto é língua, até mesmo as pessoas mais inteligentes se deixam engambelar por aquilo que os estudiosos de língua inglesa chamam de "folk linguistics", um conjunto de mitos, superstições e inverdades sobre a língua e a linguagem que se entranharam na cultura ocidental e que resistem a toda contestação racional, baseada na pesquisa científica e nos dados da realidade. (carosamigos.terra.com.br)

*  Marcos  Bagno é Professor da Universidade de Brasília, é doutor em língua portuguesa pela Universidade de São Paulo, poeta, tradutor e contista premiado.  

* grifo meu

quarta-feira, 6 de outubro de 2010

Corrida de dez dias

“A alegria não chega apenas no encontro do achado mas faz parte do processo da busca” (Paulo Freire – Pedagogia da Autonomia)

Frequentemente várias pessoas e/ou setores da sociedade discutem o papel da mídia e a influência e/ou manipulação da mesma em época de eleições.
Recentemente o tema voltou à tona, envolvendo a Rede Globo, os jornais Folha de S. Paulo e O Estado de S. Paulo, a revista Veja - onde, segundo o escritor Leonardo Boff, “se instalou a razão cínica e o que há de mais falso e chulo da imprensa brasileira” (e eu concordo plenamente) - dentre outros.
Desta vez, a vítima seria o atual presidente da república e a sua candidata a presidente.
Várias pessoas que considero ter credibilidade para abordar o assunto têm se manifestado de forma excepcional. Escolhi uma crônica de Luis Fernando Veríssimo, grande nome da literatura brasileira, publicada no dia 24/09/2010. Espero que contribua para sua reflexão. Vamos à crônica.


CORRIDA DE DEZ DIAS 


Luis Fernando Veríssimo

     De hoje à data da eleição teremos dez dias de manchetes nos jornais e duas edições da Veja. Não sei até quando podem ser publicadas as pesquisas sobre intenção de voto, mas até a última publicação - aquela que, segundo os céticos, é a mais confiável, pois é a que garante a credibilidade e o futuro dos pesquisadores - veremos uma corrida emocionante: o noticiário perseguindo os índices da Dilma para tentar derrubá-los antes da chegada, no dia 3. O prêmio, se conseguirem, será um segundo turno. Se não conseguirem a única dúvida que restará será: se diz a presidente ou a presidenta?
     Até agora as notícias de corrupção na Casa Civil não afetaram os índices da Dilma. Estou escrevendo na terça, talvez as últimas pesquisas mostrem um efeito retardado. Mas ainda faltam dez dias de manchetes e duas edições da Veja, quem sabe o que virá por aí? O governo Lula tem um bom retrospecto na sua competição com o noticiário. A popularidade do Lula não só resistiu a tudo, inclusive às mancadas e aos impropérios do próprio Lula, como cresceu com os oito anos de denúncias e noticiário negativo. Desde UDN x Getúlio nenhum presidente brasileiro foi tão atacado e denunciado quanto Lula. Desde sempre, nenhum presidente brasileiro acabou seu mandato tão bem cotado.
     Acrescente-se ao paradoxo o fato de que o eleitorado brasileiro é tradicionalmente, às vezes simplisticamente, moralista. Elegeu Jânio para varrer a sujeira do governo Juscelino, elegeu Collor para acabar com os marajás, aplaudiu a queda do Collor por corrupção presumida e houve até quem pedisse o impedimento do Itamar por proximidade temerária com calcinha transparente. Mas o moralismo tornou-se politicamente irrelevante com Lula e, por tabela, para os índices da Dilma. É improvável que volte a ser decisivo em dez dias. Mas nunca se sabe. O que talvez precise ser revisado, depois dos oito anos do Lula e depois destas eleições, quando a poeira baixar, seja o conceito da imprensa como formadora de opiniões.
     Mas a corrida dos dez dias começa hoje e seu resultado ninguém pode prever com certeza. Virá alguma bomba de fragmentação de última hora ou tudo que poderia explodir já explodiu? O que prevalecerá no final, os índices inalterados da Dilma ou o noticiário? Faça a sua aposta.



Fonte: jornal O Estado de S. Paulo – 24/09/2010.
*grifo meu.