“Mas ninguém tem a licença de fazer medo nos outros, ninguém tenha. O maior direito que é meu - o que quero e sobrequero - : é que ninguém tem o direito de fazer medo em mim!” (Guimarães Rosa – Grande Sertão: veredas)
Olá!
Estou aqui de novo, com o mesmo carinho de sempre, para o nosso encontro semanal no Mire e Veja Travessia. E hoje recomendarei uma obra clássica da literatura brasileira: Vidas Secas de Graciliano Ramos. A obra aborda o sertanejo nordestino humilhado pelas secas e pelos homens, onde as condições subumanas nivelam animais e pessoas. Temos personagens que giram em círculo, procurando subsistência e que terminam emigrando para o Sul, como milhões de Nordestinos. Todas as personagens são indefesas e estão sujeitas à agressividade dos outros, do patrão ou do poder público.
Aproveito agora que Vidas Secas é o tema das nossas aulas, onde introduzimos o assunto com a Música “Último Pau de Arara”, estamos assistindo ao filme (foto) adaptação da obra e vamos abordar a segunda fase do Modernismo brasileiro e as diversas variedades linguísticas, para deixar um recado: É um momento apropriado para ler o livro que é explorado em vários vestibulares do país, na FUVEST e também no Enem, e ainda nos proporciona um conhecimento sobre o tema, ampliando a nossa visão cultural, social e política. É uma ótima indicação de leitura não só para estudantes, mas para todas as pessoas que ainda não tiveram a oportunidade de ler o livro.
Graciliano Ramos, assim como vários escritores da “década de 30” e de outros tempos, foi atuante na sociedade de sua época e fez da literatura uma espécie de denúncia social. Para ele “é preciso conhecer a realidade para transformá-la”. E para conhecer ainda mais esta temática, nada melhor do que um texto de um grande poeta lá da região do Cariri (Ceará): Patativa do Assaré. O poema foi musicado por Luiz Gonzaga. Como cidadã, educadora e cristã, considero ser nosso papel conhecer e continuar transformando a nossa sociedade. Vamos ao poema:
A TRISTE PARTIDA
Setembro passou, outubro e novembro
Já tamo em dezembro,
Meu Deus, o que é de nós?
Assim fala o pobre do seco Nordeste,
Com medo da peste,
Da fome feroz.
*
A treze do mês, ele fez a experiênça,
Perdeu sua crença
Nas pedras de sal,
Mas noutra esperança
Com gosto se agarra,
Pensando na barra do alegre Natal.
*
Rompeu-se o Natal, porém barra não veio,
O sol, bem vermeio,
Nasceu muito além.
Na copa da mata, buzina a cigarra,
Ninguém vê a barra,
Pois barra não tem.
*
Sem chuva na terra descamba janeiro,
Depois fevereiro,
E o mesmo verão
Entonce o nortista pensando consigo,
Diz: “isso é castigo!
Não chove mais não!”
*
Apela pra março, que é o mês preferido
Do Santo querido,
Sinhô São José.
Mas nada de chuva! Tá tudo sem jeito,
Lhe foge do peito
O resto da fé.
*
Agora pensando ele segue outra tria,
Chamando a famia
Começa a dizer:
“Eu vendo meu burro, meu jegue e o cavalo,
Nois vamo a São Paulo
Viver ou morrer.
*
Nois vamo a São Paulo, que a coisa tá feia;
Por terras alheia
Nois vamo vagar.
Se o nosso destino não for tão mesquinho,
Aí pro mêrmo cantinho
Nois torna voltar”.
*
E vende seu burro, jumento e o cavalo,
Inté mesmo o galo
Vendêro também,
Pois logo aparece feliz fazendeiro,
Por pouco dinheiro
Lhe compra o que tem.
*
Em um caminhão ele joga a famia
Chegou o triste dia,
Já vai viajar.
A seca terrivi, que tudo devora,
Lhe bota pra fora
Da terra natal.
*
O carro já corre no topo da serra.
Oiando pra terra,
Seu berço, seu lar,
Aquele nortista, partido de pena,
De longe inda acena:
“Adeus, meu lugar!”
*
No dia seguinte, já tudo enfadado,
E o carro embalado,
Veloz a correr,
Tão triste, coitado, falando saudoso,
Com seu filho choroso
Escrama, a dizer:
*
- De pena e saudade, papai, sei que morro!
Meu pobre cachorro,
Quem dá de comer?
Já outro pergunta: - Mãezinha, e meu gato?
Com fome, sem trato,
Mimi vai morrer!
*
E a linda pequena, tremendo de medo:
- Mamãe, meus brinquedo!
Meu pé de fulô!
Meu pé de rosêra, coitado, ele seca!
E a minha boneca
Também lá ficou.
*
E assim vão deixando, com choro e gemido,
O berço querido
O céu lindo e azul.
O pai, pesaroso, nos fio pensando,
E o carro rodando
Na estrada do Sul.
*
Chegaram em São Paulo - sem cobre, quebrado.
E o pobre, acanhado,
Percura um patrão.
Só vê cara estranha, de estranha gente,
Tudo é diferente
Do caro torrão.
*
Trabaia dois ano, três ano e mais ano,
E sempre nos prano
De um dia vortar
Mas nunca ele pode, só vive devendo,
E assim vai sofrendo
É sofrer sem parar.
*
Se alguma notiça das banda do Norte
Tem ele por sorte
O gosto de ouvir,
Lhe bate no peito saudade de móio,
E as água nos óio
Começa a cair.
*
Do mundo afastado, ali vive preso
Sofrendo desprezo
Devendo ao patrão.
O tempo rolando, vai dia e vem dia,
E aquela famia
Não vorta mais não!
*
Distante da terra, tão seca mas boa,
Exposto à garoa,
À lama e ao paú,
Faz pena o nortista, tão forte, tão bravo,
Viver como escravo
No Norte e no Sul.