Um apólogo aproxima-se das fábulas, pois seres inanimados (objetos) falam e há uma moral implícita. Neste texto Machado de Assis traz uma reflexão maravilhosa sobre o trabalho coletivo. Faz-nos pensar desde um trabalho escolar (como os seminários que estamos preparando sobre as “escolas literárias”) até um grupo de teatro, grêmio, futebol, a organização de uma escola, o trabalho numa empresa, associação, igreja, enfim, qualquer trabalho coletivo. Expressões da época como coser (costurar) não comprometem a leitura.
UM APÓLOGO
ERA UMA VEZ uma agulha, que disse a um novelo de linha:
— Por que está você com esse ar, toda cheia de si, toda enrolada, para fingir que vale alguma coisa neste mundo?
— Deixe-me, senhora.
— Que a deixe? Que a deixe, por quê? Porque lhe digo que está com um ar insuportável? Repito que sim, e falarei sempre que me der na cabeça.
— Que cabeça, senhora? A senhora não é alfinete, é agulha. Agulha não tem cabeça. Que lhe importa o meu ar? Cada qual tem o ar que Deus lhe deu. Importe-se com a sua vida e deixe a dos outros.
— Mas você é orgulhosa.
— Decerto que sou.
— Mas por quê?
— É boa! Porque coso. Então os vestidos e enfeites de nossa ama, quem é que os cose, senão eu?
— Você? Esta agora é melhor. Você é que os cose? Você ignora que quem os cose sou eu, e muito eu?
— Você fura o pano, nada mais; eu é que coso, prendo um pedaço ao outro, dou feição aos babados...
— Sim, mas que vale isso? Eu é que furo o pano, vou adiante, puxando por você, que vem atrás, obedecendo ao que eu faço e mando...
— Também os batedores vão adiante do imperador.
— Você é imperador?
— Não digo isso. Mas a verdade é que você faz um papel subalterno, indo adiante; vai só mostrando o caminho, vai fazendo o trabalho obscuro e ínfimo. Eu é que prendo, ligo, ajunto...
Estavam nisto, quando a costureira chegou à casa da baronesa. Não sei se disse que isto se passava em casa de uma baronesa, que tinha a modista ao pé de si, para não andar atrás dela. Chegou a costureira, pegou do pano, pegou da agulha, pegou da linha, enfiou a linha na agulha, e entrou a coser. Uma e outra iam andando orgulhosas, pelo pano adiante, que era a melhor das sedas, entre os dedos da costureira, ágeis como os galgos de Diana — para dar a isto uma cor poética. E dizia a agulha:
— Então, senhora linha, ainda teima no que dizia há pouco? Não repara que esta distinta costureira só se importa comigo; eu é que vou aqui entre os dedos dela, unidinha a eles, furando abaixo e acima.
A linha não respondia nada; ia andando. Buraco aberto pela agulha era logo enchido por ela, silenciosa e ativa como quem sabe o que faz, e não está para ouvir palavras loucas. A agulha vendo que ela não lhe dava resposta, calou-se também, e foi andando. E era tudo silêncio na saleta de costura; não se ouvia mais que o plic-plic plic-plic da agulha no pano. Caindo o sol, a costureira dobrou a costura, para o dia seguinte; continuou ainda nesse e no outro, até que no quarto acabou a obra, e ficou esperando o baile.
Veio a noite do baile, e a baronesa vestiu-se. A costureira, que a ajudou a vestir-se, levava a agulha espetada no corpinho, para dar algum ponto necessário. E quando compunha o vestido da bela dama, e puxava a um lado ou outro, arregaçava daqui ou dali, alisando, abotoando, acolchetando, a linha, para mofar da agulha, perguntou-lhe:
— Ora agora, diga-me quem é que vai ao baile, no corpo da baronesa, fazendo parte do vestido e da elegância? Quem é que vai dançar com ministros e diplomatas, enquanto você volta para a caixinha da costureira, antes de ir para o balaio das mucamas? Vamos, diga lá.
Parece que a agulha não disse nada; mas um alfinete, de cabeça grande e não menor experiência, murmurou à pobre agulha:
— Anda, aprende, tola. Cansas-te em abrir caminho para ela e ela é que vai gozar da vida, enquanto aí ficas na caixinha de costura. Faze como eu, que não abro caminho para ninguém. Onde me espetam, fico.
Contei esta história a um professor de melancolia, que me disse, abanando a cabeça: — Também eu tenho servido de agulha a muita linha ordinária!
Machado de Assis
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Ps.: Quem estaria com a razão? A agulha ou a linha? Por quê? Quem fez o vestido da baronesa?Qual a atitude do alfinete? Qual o papel da agulha? E da linha? Gostaram do conto? Espero que sim.
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Machado de Assis
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Ps.: Quem estaria com a razão? A agulha ou a linha? Por quê? Quem fez o vestido da baronesa?Qual a atitude do alfinete? Qual o papel da agulha? E da linha? Gostaram do conto? Espero que sim.
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Esse é um texto muito bom para se refletir. Mostra a realidade de muitas pessoas que não sabem trabalhar em grupo. Assim como o alfinete, que é muito egoísta. E como a agulha e a linha que discutiram muito, mas no fim as duas foram importantes para o trabalho.
ResponderExcluirQ conto legal em... Tinha q ser o Bruxo do Cosme Velho em... Vemos um típico conto antigo q traz uma lição q serve para todos, em todos os tempos, seja do tempo de Machado ou do mundo atual...
ResponderExcluirO individualismo em nossa sociedade não para de crescer, vemos pessoas cada vez mais solitárias e fechadas. A união e o trabalho em equipe são grandes desafios do século XXI. A falta de confiança no outro, o medo de deixar-se conhecer e a falta de flexibilidade para muitas vezes concordar com o outro são fatores q ajudam para causar isso.
Em um grupo, não importa se você foi o q mais se esforçou, ou o q mais sabe, ou o q se destaca mais... O q importa é o todo, o trabalho q o grupo fez e não só de um dos integrantes do grupo...
A agulha sem a linha não é nada... a linha sem a agulha também não tem utilidade... o q importa é o produto final da união do trabalho das duas coisa...
É importante refletirmos sempre q o outro é muito importante para nós... Sua ajuda nos faz crescer e aprender cada dia mais. “A união faz a força...”
Agora vou indo... Até mais pessoal... Fui...
Muito bom esse conto, depois de várias visitas ao Blog, tomei coragem e li inteiro, apesar de ser um pouco extenso, e minha preguiça tbm, valeu muito a pena! ;D
ResponderExcluirAproveitando, quero divulgar meu blog tbm, reativei há pouco tempo, tem muita besteira, na verdade, muita besteira meesmo.. Hahaha
http://seila-qq.blogspot.com/
A partir do conto acima posso dizer que, mais do que nunca trabalho coletivo é fundamental.
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