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sábado, 1 de maio de 2010

Conto


Um apólogo aproxima-se das fábulas, pois seres inanimados (objetos) falam e há uma moral implícita. Neste texto Machado de Assis traz uma reflexão maravilhosa sobre o trabalho coletivo. Faz-nos pensar desde um trabalho escolar (como os seminários que estamos preparando sobre as “escolas literárias”) até um grupo de teatro, grêmio, futebol, a organização de uma escola, o trabalho numa empresa, associação, igreja, enfim, qualquer trabalho coletivo. Expressões da época como coser (costurar) não comprometem a leitura.

 UM APÓLOGO

ERA UMA VEZ uma agulha, que disse a um novelo de linha:
— Por que está você com esse ar, toda cheia de si, toda enrolada, para fingir que vale alguma coisa neste mundo?
— Deixe-me, senhora.
— Que a deixe? Que a deixe, por quê? Porque lhe digo que está com um ar insuportável? Repito que sim, e falarei sempre que me der na cabeça.
— Que cabeça, senhora? A senhora não é alfinete, é agulha. Agulha não tem cabeça. Que lhe importa o meu ar? Cada qual tem o ar que Deus lhe deu. Importe-se com a sua vida e deixe a dos outros.
— Mas você é orgulhosa.
— Decerto que sou.
— Mas por quê?
— É boa! Porque coso. Então os vestidos e enfeites de nossa ama, quem é que os cose, senão eu?
— Você? Esta agora é melhor. Você é que os cose? Você ignora que quem os cose sou eu, e muito eu?
— Você fura o pano, nada mais; eu é que coso, prendo um pedaço ao outro, dou feição aos babados...
— Sim, mas que vale isso? Eu é que furo o pano, vou adiante, puxando por você, que vem atrás, obedecendo ao que eu faço e mando...
— Também os batedores vão adiante do imperador.
— Você é imperador?
— Não digo isso. Mas a verdade é que você faz um papel subalterno, indo adiante; vai só mostrando o caminho, vai fazendo o trabalho obscuro e ínfimo. Eu é que prendo, ligo, ajunto...
Estavam nisto, quando a costureira chegou à casa da baronesa. Não sei se disse que isto se passava em casa de uma baronesa, que tinha a modista ao pé de si, para não andar atrás dela. Chegou a costureira, pegou do pano, pegou da agulha, pegou da linha, enfiou a linha na agulha, e entrou a coser. Uma e outra iam andando orgulhosas, pelo pano adiante, que era a melhor das sedas, entre os dedos da costureira, ágeis como os galgos de Diana — para dar a isto uma cor poética. E dizia a agulha:
— Então, senhora linha, ainda teima no que dizia há pouco? Não repara que esta distinta costureira só se importa comigo; eu é que vou aqui entre os dedos dela, unidinha a eles, furando abaixo e acima.
A linha não respondia nada; ia andando. Buraco aberto pela agulha era logo enchido por ela, silenciosa e ativa como quem sabe o que faz, e não está para ouvir palavras loucas. A agulha vendo que ela não lhe dava resposta, calou-se também, e foi andando. E era tudo silêncio na saleta de costura; não se ouvia mais que o plic-plic plic-plic da agulha no pano. Caindo o sol, a costureira dobrou a costura, para o dia seguinte; continuou ainda nesse e no outro, até que no quarto acabou a obra, e ficou esperando o baile.
Veio a noite do baile, e a baronesa vestiu-se. A costureira, que a ajudou a vestir-se, levava a agulha espetada no corpinho, para dar algum ponto necessário. E quando compunha o vestido da bela dama, e puxava a um lado ou outro, arregaçava daqui ou dali, alisando, abotoando, acolchetando, a linha, para mofar da agulha, perguntou-lhe:
— Ora agora, diga-me quem é que vai ao baile, no corpo da baronesa, fazendo parte do vestido e da elegância? Quem é que vai dançar com ministros e diplomatas, enquanto você volta para a caixinha da costureira, antes de ir para o balaio das mucamas? Vamos, diga lá.
Parece que a agulha não disse nada; mas um alfinete, de cabeça grande e não menor experiência, murmurou à pobre agulha:
— Anda, aprende, tola. Cansas-te em abrir caminho para ela e ela é que vai gozar da vida, enquanto aí ficas na caixinha de costura. Faze como eu, que não abro caminho para ninguém. Onde me espetam, fico.
Contei esta história a um professor de melancolia, que me disse, abanando a cabeça: — Também eu tenho servido de agulha a muita linha ordinária!
                                                                 Machado de Assis

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Ps.: Quem estaria com a razão? A agulha ou a linha? Por quê? Quem fez o vestido da baronesa?Qual a atitude do alfinete? Qual o papel da agulha? E da linha? Gostaram do conto? Espero que sim.
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4 comentários:

  1. Esse é um texto muito bom para se refletir. Mostra a realidade de muitas pessoas que não sabem trabalhar em grupo. Assim como o alfinete, que é muito egoísta. E como a agulha e a linha que discutiram muito, mas no fim as duas foram importantes para o trabalho.

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  2. Q conto legal em... Tinha q ser o Bruxo do Cosme Velho em... Vemos um típico conto antigo q traz uma lição q serve para todos, em todos os tempos, seja do tempo de Machado ou do mundo atual...
    O individualismo em nossa sociedade não para de crescer, vemos pessoas cada vez mais solitárias e fechadas. A união e o trabalho em equipe são grandes desafios do século XXI. A falta de confiança no outro, o medo de deixar-se conhecer e a falta de flexibilidade para muitas vezes concordar com o outro são fatores q ajudam para causar isso.
    Em um grupo, não importa se você foi o q mais se esforçou, ou o q mais sabe, ou o q se destaca mais... O q importa é o todo, o trabalho q o grupo fez e não só de um dos integrantes do grupo...
    A agulha sem a linha não é nada... a linha sem a agulha também não tem utilidade... o q importa é o produto final da união do trabalho das duas coisa...
    É importante refletirmos sempre q o outro é muito importante para nós... Sua ajuda nos faz crescer e aprender cada dia mais. “A união faz a força...”
    Agora vou indo... Até mais pessoal... Fui...

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  3. Muito bom esse conto, depois de várias visitas ao Blog, tomei coragem e li inteiro, apesar de ser um pouco extenso, e minha preguiça tbm, valeu muito a pena! ;D

    Aproveitando, quero divulgar meu blog tbm, reativei há pouco tempo, tem muita besteira, na verdade, muita besteira meesmo.. Hahaha

    http://seila-qq.blogspot.com/

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  4. A partir do conto acima posso dizer que, mais do que nunca trabalho coletivo é fundamental.

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