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sexta-feira, 23 de setembro de 2011

Crônica

“Aprendi com as primaveras a me deixar cortar para poder voltar inteira” (Cecília Meireiles)
Larissa Lima Meira

Meu ideal seria escrever...
Rubem Braga

Meu ideal seria escrever uma história tão engraçada que aquela moça que está doente naquela casa cinzenta quando lesse minha história no jornal risse, risse tanto que chegasse a chorar e dissesse - "ai meu Deus, que história mais engraçada!". E então a contasse para a cozinheira e telefonasse para duas ou três amigas para contar a história; e todos a quem ela contasse rissem muito e ficassem alegremente espantados de vê-la tão alegre. Ah, que minha história fosse como um raio de sol, irresistivelmente louro, quente, vivo, em sua vida de moça reclusa, enlutada, doente. Que ela mesma ficasse admirada ouvindo o próprio riso, e depois repetisse para si própria - "mas essa história é mesmo muito engraçada!".

Que um casal que estivesse em casa mal-humorado, o marido bastante aborrecido com a mulher, a mulher bastante irritada com o marido, que esse casal também fosse atingido pela minha história. O marido a leria e começaria a rir, o que aumentaria a irritação da mulher. Mas depois que esta, apesar de sua má vontade, tomasse conhecimento da história, ela também risse muito, e ficassem os dois rindo sem poder olhar um para o outro sem rir mais; e que um, ouvindo aquele riso do outro, se lembrasse do alegre tempo de namoro, e reencontrassem os dois a alegria perdida de estarem juntos.

Que nas cadeias, nos hospitais, em todas as salas de espera a minha história chegasse - e tão fascinante de graça, tão irresistível, tão colorida e tão pura que todos limpassem seu coração com lágrimas de alegria; que o comissário do distrito, depois de ler minha história, mandasse soltar aqueles bêbados e também aqueles pobres mulheres colhidas na calçada e lhes dissesse - "por favor, se comportem, que diabo! Eu não gosto de prender ninguém!" . E que assim todos tratassem melhor seus empregados, seus dependentes e seus semelhantes em alegre e espontânea homenagem à minha história.

E que ela aos poucos se espalhasse pelo mundo e fosse contada de mil maneiras, e fosse atribuída a um persa, na Nigéria, a um australiano, em Dublin, a um japonês, em Chicago - mas que em todas as línguas ela guardasse a sua frescura, a sua pureza, o seu encanto surpreendente; e que no fundo de uma aldeia da China, um chinês muito pobre, muito sábio e muito velho dissesse: "Nunca ouvi uma história assim tão engraçada e tão boa em toda a minha vida; valeu a pena ter vivido até hoje para ouvi-la; essa história não pode ter sido inventada por nenhum homem, foi com certeza algum anjo tagarela que a contou aos ouvidos de um santo que dormia, e que ele pensou que já estivesse morto; sim, deve ser uma história do céu que se filtrou por acaso até nosso conhecimento; é divina".

E quando todos me perguntassem - "mas de onde é que você tirou essa história?" - eu responderia que ela não é minha, que eu a ouvi por acaso na rua, de um desconhecido que a contava a outro desconhecido, e que por sinal começara a contar assim: "Ontem ouvi um sujeito contar uma história...".

E eu esconderia completamente a humilde verdade: que eu inventei toda a minha história em um só segundo, quando pensei na tristeza daquela moça que está doente, que sempre está doente e sempre está de luto e sozinha naquela pequena casa cinzenta de meu bairro.

Texto: Rubem Braga, “A traição das elegantes”, Editora Sabiá – Rio de Janeiro, 1967. Foto de ilustração: Larissa Lima Meira, ex-aluna e estudante de jornalismo.

5 comentários:

  1. Olá pessoal, Lira, todos...

    Q crônica super legal. Tinha q ser o Rubem Alves mesmo rsrsrs, e a Sora tinha q postar e alegrar a nossa vida, né? rsrs...
    A simplicidade do q a crônica diz contagia nossa vida, q por vezes parece tão complicada. Nos faz refletir sobre as pequenas coisas da vida, as mais simples e belas, onde por vezes deixamos de procurar a felicidade e onde justamente ela pode estar escondida.
    Mesmo em "travessias" não tão esperadas não podemos deixar o barco da vida naufragar, né Lira? Você é uma rocha firme que tem uma força maior q a sua... e mais ainda partilha conosco. Obrigado por tudo! Muita força, tudo de bom, até breve! Deus nos abençõe sempre.

    Quando vi a foto d relance pensei comigo: acho q conheço alguém muito parecida com esta linda menina. Pensei q era alguma modelo ou foto da internet mesmo. Mas nem de óculos escuro ou mesmo meia d lado eu poderia deixar d reconhecer a Larissinha (pros íntimos rsrsrs). Lari, como sei q vc vai ler este comentário, aproveito pra mandar um grande beijo pra vc minha grande e inesquecível amiga. Saudads. Tudo d bom. Até breve!

    Sora, obrigado por este espaço q vc nos cede em seu blog. Espaço de reflexão, encontros, saudades, alegrias. Parabéns pela perseverança. Bjs!!!

    Agora vou indo... Até mais galera. Abração. Fui...

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  2. A arte traz, na sua beleza, forças capazes de mover e renovar sentimentos importantes ao bem pessoal e social. Desperta a sensibilidade, renova energia. Como não saberia escrever uma história como a descrita nessa crônica, MEU IDEAL SERIA... despertar o gosto pela leitura em todas as pessoas, para que elas pudessem apreciar e apropriar dos inúmeros benefícios de uma poesia, de uma crônica, de um conto, de um bom texto, enfim.
    Abraços para a Larissa (parabéns pela foto) e abraços a todos.
    Profº Arilton.

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  3. Olha aí, o Profº Arilton por aqui! Ehhhh... q alegria. Pra você, “Sor Arilton”, muitas Felicidades, paz, saúde, alegria e tudo de Bom!
    Com você a história deixa um pouco de ser "velha" rsrs e se torna mais legal. Você nos faz compreender que estamos construindo a história, somos produto do passado e de nosso contexto e, sobretudo, que podemos mudar o presente.
    Até mais!
    Viva! Viva! Viva Sociedade Alternativa! Viva! Viva!

    De seu eterno aluno e aprendiz,
    Carlos Henrique

    Profª Lira, Obrigado pelo espaço!

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  4. o texto é lindo, foto belíssima e a essência...sem palavras...
    Se cada um se doasse um pouquinho com gestos, palavras, histórias, mesmo um olhar ou sorriso para alguém que está ao lado e que precisa de gestos tão singelos...a vida em volta seria bem melhor...e a alma se deleitaria em tranquilidade e paz por fazer a vida do outro melhor

    Bjo Dona Eliran.. Parabéns, linda postagem...como sempre..rs

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  5. Carlos: como sempre sua passagem e seus comentários por aqui me trazem grande alegria e enriquecimento para o blog. Lembrei-me dessa crônica ao acompanhar uma pessoa da minha família num hospital aqui em São Paulo... Esse texto é muito especial... E a foto da Larissa?!!! Quão linda!!! Tão singela quanto bela!!! Aproveito e agradeço a Larissa por me ceder essa foto que trouxe grande significado e beleza à minha postagem.
    Que bom q esse espaço serve de “encontro, saudades e alegria”. Que seja para vcs tanto quanto é pra mim. Obrigada pelas lindas palavras de força e apoio, meu menino de ouro...

    Professor Arilton: Quanta alegria você por aqui!!! Sei que nas suas aulas o despertar do gosto pela leitura tem sido um dos seus objetivos perseguidos, e acredite: muitas “sementes” plantadas darão fruto, mais cedo ou mais tarde. Parabéns pelo seu trabalho.
    Obrigada pela visita e comentário aqui no Mire e Veja Travessia. Volte sempre!!!!!!

    Carlinhos: o professor Arilton me disse que leu seu comentário com alegria, emoção e muito orgulho. E lhe agradece muito!
    Um comentário desse, vindo de uma pessoa como vc, qualquer professor se sentiria gratificado. São as maiores recompensas que recebemos pelo nosso trabalho; pode ter certeza. Continue essa pessoa iluminada que vc é, e boa sorte em todos os seus projetos. Bjos.

    Maísa: vc é presença rara aqui, mas sempre que deixa suas poucas e sábias palavras nesse blog me deixa muuuuuito feliz. Volte mais vezes. Que Deus lhe abençoe e lhe proteja. Amo-te. Bjos e carinho.

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