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sábado, 5 de março de 2011

Singela homenagem a um grande amigo que partiu

“O existir da alma é a reza...” (Guimarães Rosa – Grande Sertão: Veredas)


           Existem pessoas que são referências para nós. Rogério Ataíde foi uma dessas pessoas em minha vida, desde a juventude. Por isso, abro um espaço hoje no Mire e Veja Travessia para uma singela homenagem ao meu grande amigo que faleceu semana passada. Estando distante, o que fazer? No primeiro momento a “ficha não cai”. Depois vem o despertar da realidade, e com ela, as lembranças, a saudade.
          Foram muitos anos de lutas. Muitos sonhos, utopias, ideais. Sementes que, felizmente, frutifica a cada dia. Impossível não reconhecer a dedicação, o compromisso e a participação de Rogério Ataíde no crescimento da consciência, organização e conquistas que há tempos vem acontecendo e crescendo cada vez mais no Estado da Bahia.
          Sua história de vida e luta se confunde com a história de vida e luta dos trabalhadores rurais e urbanos de várias categorias, dentre elas, químicos, ferroviários, funcionários públicos, etc. Mas ele não se contentava em defender os trabalhadores apenas nos tribunais trabalhistas. Queria contribuir na conscientização política dos trabalhadores e dos Movimentos Populares.
          Embora pertencendo a uma classe social elevada, transitava entre os mais humildes, como se fosse um deles; e se incomodava muito pelo fato de todos não terem os mesmo direitos. Outro dia questionei-o pelo fato de promover e custear cursos em locais “sofisticados” de Salvador.
– A diária de quatro pessoas daria para cobrir o custo de quarenta pessoas num local mais humilde, dizia eu.
- Os trabalhadores precisam também desfrutar de conforto e dignidade, dizia ele.

           Incomodava muito com a manipulação e falta de ética nos meios de comunicação. Sonhava com um jornalismo que “representasse a classe trabalhadora”. Dizia gostar muito do meu trabalho no jornalzinho “alternativo” Folha de Brotas, de alguns projetos que elaborei quando trabalhava no CENPET (Centro de Pesquisas e Estudos Trabalhistas) e me incentivava muito a fazer jornalismo. “Assim criaria um jornal para concorrer com esses jornais conservadores” – dizia ele. (Obrigada, amigo, pela confiança!)
           Tinha um coração bondoso e amável. O escritório (acho que o maior de Salvador) era aberto a todos. Acolhia vários estagiários e, pelo visto, a preferência era para “as minorias” como pobres, negros, etc. que conseguiam entrar num curso de Direito na capital baiana. Se alguma injustiça ou calúnia vinha contra ele, não via, ou preferia não ver. Tocava o barco. E, ao seu modo, fazia as coisas acontecerem. Alguns equívocos também aconteciam (no meu ponto de vista) e só mais tarde pude compreender melhor esses “equívocos”.
O meu amigo (foto) poderia viver muito bem na tranquilidade em que as suas condições sociais lhe proporcionavam. Mas preferiu “a angústia da busca, à paz da acomodação”. Preferiu defender os trabalhadores, OS OPERÁRIOS...

O PERÁRIO EM CONSTRUÇÃO
Vinícius de Moraes

Era ele que erguia casas
Onde antes só havia chão.
Como um pássaro sem asas
Ele subia com as casas
Que lhe brotavam da mão.
Mas tudo desconhecia
De sua grande missão:
Não sabia, por exemplo
Que a casa de um homem é um templo
Um templo sem religião
Como tampouco sabia
Que a casa que ele fazia
Sendo a sua liberdade
Era a sua escravidão.

(...)
Disse, e fitou o operário
Que olhava e que refletia
Mas o que via o operário
O patrão nunca veria.

(...)

Via tudo o que fazia
O lucro do seu patrão
E em cada coisa que via
Misteriosamente havia
A marca de sua mão.
E o operário disse: Não!

(...)
E o operário ouviu a voz
De todos os seus irmãos
Os seus irmãos que morreram
Por outros que viverão.
Uma esperança sincera
Cresceu no seu coração
E dentro da tarde mansa
Agigantou-se a razão
De um homem pobre e esquecido
Razão porém que fizera
Em operário construído
O operário em construção.

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ANEXOS:

MOÇÃO Nº 12.361/2011 - Assembleia Legislativa - Salvador - BA.


Moção de pesar pelo falecimento do Advogado Rogério Ataíde Caldas Pinto.

          O deputado que esta subscreve vem, na forma regimental, inserir na Ata dos trabalhos desta Casa Legislativa, Moção de Pesar pelo falecimento do Advogado Rogério Ataíde Caldas Pinto.

JUSTIFICATIVA
          É com pesar que, neste momento delicado, esta Casa Legislativa manifesta suas condolências pelo falecimento do Advogado Rogério Ataíde Caldas Pinto, no dia 23 de fevereiro, aos 72 anos.
          Pessoa de índole ilibada, dedicado às causas sociais, especialmente à luta contra opressão dos trabalhadores do campo e da cidade. Teve formação seminarista na cidade de Diamantina, chegando a exercer o sacerdócio. O amor pela causa operária, entretanto, foi mais forte.
          Pioneiro na advocacia trabalhista na Bahia, o companheiro Rogério Ataíde atuou em inúmeros sindicatos, dentre os quais Sind. Bancários, dos Trabalhadores em Telecominicações, dos Funcionários da Previdencia, Sintragri e SindBorracha. Era admirado também por sua ampla atuação no Sindicato dos Ferroviários, com o qual tinha especial dedicação e onde cativou muitos amigos.
           Mestre pela Universidade Federal da Bahia, tendo atuado também como Professor na Universidade Católica do Salvador, nosso saudoso companheiro sempre colocou sua formação socialista a serviço dos trabalhadores, sendo fundador do Partido dos Trabalhadores, assim como do extinto Centro de Pesquisas e Estudos Trabalhistas.
          Nos sindicatos por que passou, foi responsável pela formação política e capacitação gratuita do trabalhador. Sua militância inspirou inúmeros companheiros, tendo auxiliado na implementação de inúmeros sindicatos e atuando incansavelmente na defesa dos operários.
          Sem dúvida, a sociedade baiana perde um grande homem, que com sua bela trajetória de vida, nos deixa um exemplo forte a ser seguido.
          Dê-se conhecimento desta Moção ao Sindicato do Ferroviários da Bahia, Sind. Bancários, Sind. dos Trabalhadores em Telecominicações, Sind. dos Funcionários da Previdencia, Sintragri e SindBorracha e à família (R. Portugal, Edf. Status, 12º andar, Comércio, Salvador, Bahia).

            Sala das Sessões, 24 de fevereiro de 2011

            Deputado Bira Corôa

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SECRETÁRIO ESTADUAL CEZAR LISBOA LAMENTA MORTE DO ADVOGADO ROGÉRIO ATAIDE



          O Secretário de Relações Institucionais, Paulo Cezar Lisboa, divulgou nota hoje (24) lamentando a morte do advogado trabalhista, Rogério Ataíde, um dos fundadores do PT no Estado.
          "Foi com imensa consternação que tomamos conhecimento do falecimento, na madrugada de hoje, do nosso querido companheiro, Rogério Ataíde Caldas Pinto, fundador do PT na Bahia.
          Natural de Santa Maria da Vitória, Rogério atuou durante muito tempo como defensor de causas de ferroviários, petroleiros e químicos, dentre uma série de outras categorias do Estado.
         Profissional competente e engajado, foi militante fundamental na retomada dos sindicatos das intervenções do regime militar no período da ditadura. Pessoa de grande retidão moral e excelente índole, foi também um amigo fiel de todos que dele se aproximaram.
         A sua partida vai deixar enorme lacuna no coração de todos que o conheceram. Aproveito para externar também meus sentimentos e solidariedade à família enlutada".

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Morre o advogado trabalhista Rogério Ataíde Caldas Pinto

24/02/2011
É com pesar que a OAB-BA informa o falecimento do advogado Rogério Ataíde Caldas Pinto na noite de ontem (23). O corpo do advogado será velado hoje (24), às 15h, no Cemitério Jardim da Saudade, no bairro de Brotas, em Salvador.
Rogério Ataíde tinha 72 anos, era sócio do escritório com Ailton Daltro Martins e Advogados Associados e deixou esposa e uma filha.
Fonte: Imprensa OAB-BA

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          "Que pese a vastidão do nosso vocabulário, com que adjetivo devemos nos referir a este homem menino, doutor franciscano, intelectual militante...Seu testemunho de ética e entusiasmo, que tanto nos animou, continuará sendo fonte em que beberemos para sempre. Yulo dedica trecho da música de Chico Buarque, ao companheiro. (Yulo, deputado estadual/BA)


Sonhar

“Mais um sonho impossível/ Lutar/ Quando é fácil ceder/ Vencer o inimigo invencível/ Negar quando a regra é vender/ Sofrer a tortura implacável/ Romper a incabível prisão/ Voar num limite improvável/ Tocar o inacessível chão/ É minha lei, é minha questão/ Virar esse mundo/ Cravar esse chão/ Não me importa saber/ Se é terrível demais/ Quantas guerras terei que vencer/ Por um pouco de paz/ E amanhã, se esse chão que eu beijei/ For meu leito e perdão/ Vou saber que valeu delirar/ E morrer de paixão/ E assim, seja lá como for/ Vai ter fim a infinita aflição/ E o mundo vai ver uma flor/ Brotar do impossível chão”

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3 comentários:

  1. Olá galera, Olá Lira,

    Esta homenagem é linda e contagiante. Não o conheci, mas este homem que lutou pelo povo, pela dignidade do cidadão e do trabalhador não será esquecido... Ele é história. Ele fez história. E agora as "sementinhas" que ele deixou precisam continuar a ser cultivadas. Como foi muito bem colocado na postagem: "a sociedade baiana perde um grande homem"... e "nos deixa um exemplo forte a ser seguido".

    O Dr. Rogério Ataíde somente com o exemplo e testemunho de vida nos ensina a lutar pelos que mais precisam, a preferir “a angústia da busca, à paz da acomodação”. Com a graça de Deus, ele está bem melhor que nós, olhando e orientando-nos através de nossa consciência e do nosso coração de cidadãos "pensantes" e lutares. Ele não foi perfeito, foi HUMANO e em sua humanidade contribuiu com sua realidade, sociedade e com o mundo.

    Agora preciso ir! Um abração a todos! Bjs Profa, parabéns pela postagem.

    Fui...

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  2. “O Operário em Construção” (certamente uma das mais bonitas produções poéticas de Vinícius de Moraes) completou muito bem as suas palavras ao homenagear um amigo que participou da sociedade e fez história.
    Ao ter consciência da importância do seu trabalho, as pessoas exercem, efetivamente, a sua cidadania e vivem a plenitude da dignidade humana. Isso deve ser o ideal maior de uma sociedade. E, pelo que sei, Rogério Ataíde trabalhou muito por esse ideal e deve ser lembrado e reconhecido por todos que tiveram o prazer de desfrutar da sua amizade e por toda a sociedade baiana. Ele foi um semeador.

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  3. Carlos: Que bom que vc achou “linda e contagiante” a homenagem que fiz ao meu amigo. Ele merece muito mais, pode ter certeza. Realmente, ele nos ensinou a lutar pelos que mais precisam, com o “seu exemplo e testemunho de vida” e não só com palavras.
    Tenho também muita clareza de que ele continua nos olhando e que Deus preparou um bom lugar para ele no Seu Reino.
    Obrigada pelo seu comentário, pelas suas confortantes palavras.
    Beijos carinhosos.

    Professor Arilton: Acho também que acertei (dentre tantas opções literárias) ao escolher “O operário em construção” para homenagear quem tanto lutou pela dignidade dos trabalhadores. Pena que não foi possível colocar o poema completo, por ser muito extenso. Mais vale a intenção.
    Ele foi um semeador, sim, e tenho certeza de que ele será lembrado e reconhecido pela sua doação à causa da classe trabalhadora.
    Muito obrigada pelo seu bonito comentário nessa homenagem singela, mas sincera ao meu querido amigo. Como você costuma dizer, essas são as pessoas que verdadeiramente fazem História.

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