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sexta-feira, 1 de fevereiro de 2013

A poesia de Paulo Freire


“De vez em quando Deus me tira a poesia. / Olho pedra, vejo pedra mesmo” (Adélia Prado)

 Mire e Veja:

Grande parte dos leitores desse blog é ligada à Educação. Aqui em São Paulo começa hoje o ano letivo de 2013, e achei oportuno “compartilhar” esse texto. Uma boa reflexão para professores, pais, alunos (as), jovens, todos, enfim... Boa leitura!

A poesia de Paulo Freire
São Paulo, anos 70 
Sérgio Haddad, especial para a FOLHA

        Anos 1960, casa de André Franco Montoro: como aluno do ensino médio do colégio Santa Cruz, fui convidado para uma reunião sobre Paulo Freire coordenada pelo professor Flávio Di Giorgi. Falamos sobre educação libertadora, analfabetismo, diálogo como método pedagógico, relação horizontal entre professor e aluno e conscientização. Ainda não tinha a dimensão da importância daquelas ideias para a minha vida. Mesmo assim, senti um encantamento.
       Final dos anos 60, anos de chumbo: retorno ao mesmo colégio como professor e, mais tarde, como coordenador de um curso popular noturno para trabalhadores jovens e adultos. O curso se apresentou como uma oportunidade para vivenciar o que havia escutado anos atrás, agora em um cenário político de autoritarismo e ausência de diálogo.
        Com uma equipe de professores, pudemos comprovar a força do pensamento de Paulo Freire. Eram ideias simples: dialogar sobre os problemas do cotidiano a partir do conhecimento que cada um trazia; ir atrás das raízes destes problemas; construir alternativas para superá-los; e buscar soluções individuais e coletivas de curto prazo e as de longo prazo.
        Tudo isso chamávamos de conscientização, o que significava descolonizar o pensamento, enxergar a realidade com clareza, superar os problemas a partir da análise sobre suas causas, dialogar para buscar soluções e agir para mudar a realidade de acordo com os interesses do coletivo.
        Como resultado, nossos alunos contavam que haviam perdido o medo de falar para defender suas ideias, que aprenderam a argumentar com seus patrões, que não aceitavam mais piadas racistas ou de quem os diminuía por sua condição social, que não permitiam a violência dos seus namorados e maridos, que não precisavam mais bater nos seus filhos para educá-los e que começavam a se organizar de maneira coletiva.
Aquele pequeno universo escolar de aprender e ensinar para atuar sobre o cotidiano conviveu com o grande universo da sociedade brasileira de aprender e ensinar para agir nos movimentos contra a carestia, pela anistia daqueles que foram obrigados a partir por pensar diferente dos que estavam no poder, nas grandes manifestações por eleições diretas.
        Anos depois, voltei a me encontrar com Paulo Freire, agora como colegas professores na PUC-SP. Comentando a importância de descolonizar o pensamento, contou-me histórias que se passaram com ele, mestre do pensar crítico.
        Paulo morou em Genebra durante seu exílio político. Procurava ser o mais genuíno nordestino nos seus hábitos para resistir ao modo de vida daquela cidade de primeiro mundo. Mesmo assim, nos primeiros dias, impressionado com a limpeza da cidade, comentou, rindo, que se pegou com medo de sujar o corrimão de uma das pontes, de tanto que ele brilhava.
      Mas o mais incrível, continuou, foi que durante os anos em que trabalhou no Conselho Mundial de Igrejas, saía sempre no mesmo horário, tomava o ônibus que passava no ponto em frente da entrada do edifício religiosamente na mesma hora, descia quatro paradas à frente, tomava outro ônibus dois minutos depois e, finalmente, chegava em casa, sempre no mesmo horário. Um dia o primeiro ônibus se atrasou, ele perdeu o segundo e chegou 10 minutos atrasado em casa.
       "O pior, Sérgio, é que eu fiquei indignado! Foi aí que eu pensei que já estava na hora de voltar ao Brasil".
        Hoje, como educadores e educadoras, andamos enredados com ideias sobre ranqueamento de escolas e alunos, avaliações de todos os tipos, nacionalização de modelos internacionais, padronização dos conteúdos, sistemas apostilados, tecnologias pedagógicas, ensino à distância, tablets, multimídias, lousas eletrônicas etc. Que falta nos faz a poesia de Paulo Freire que nos ensinou a sonhar que é possível aprender com a própria vida!

 Fonte: Jornal Folha de S. Paulo – 27/ jan/2013
 * Grifo meu





4 comentários:

  1. Olá Lira, Olá amigos do Mire e Veja,
    Termino de ler essa bela postagem, encantado, e concordo com Haddad: "Que falta nos faz a poesia de Paulo Freire que nos ensinou a sonhar que é possível aprender com a própria vida!". Eu estou iniciando meus estudos de licenciatura em Filosofia e adentrando os caminhos da educação. Paulo Freire é sempre citado e é referência em muitas de nossas discussões, particularmente ainda não tive muito contato com sua obra, mas logo me debruçarei a aprender com ele, pois desde já o admiro.
    Me deparo bastante na Filosofia com o desafio de "Descolonizar o pensamento” e experimento buscando a liberdade e a sabedoria, desprendendo-me e saindo das cavernas sociais e ideológicas. Tendo sempre em vista uma busca maior de conscientizar e auxiliar outros que buscam a libertação e vida em plenitude.
    Recordo tbm da Sora Lira ajudando me libertar do medo de expressar minha opinião, de assumir posição, pensar e defender minhas ideias. Com ela aprendi muito, aprendi que ideias não são precisam ser classificadas como certas ou erradas, cada uma tem seu valor e um por que, o importante é assumirmos o que somos e pensamos para vivermos em coerência conosco mesmos e com os outros.
    Xiii acho que já escrevi bastante e de coração. Até logo! Parabéns Lira pela postagem e por assumir sua missão de educadora e libertadora! Que Deus nos abençoe em nossos caminhos neste ano e abençoe a todos!

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    1. Xiii... Diriam alguns dos seus colegas do 3º B em 2010. “O Carlos escreve muito que a gente nem tem coragem de comentar...”
      Ah preguiçosos...
      Às vezes falavam também: profa aquele texto é muito grande; já fui lá (no blog) várias vezes e ainda não li.”
      Sabe que até hoje me policio para escrever textos menores, pois me lembro dessas “queixas”? rsrs
      Obrigada, Carlos, por seus fiéis comentários. Estão cada vez mais lindos conforme cresce a sua caminhada acadêmica. Louvores!
      E Paulo Freire? Vc vai adorar debruçar sobre as suas obras. E, sem saber, vc já é um “freireano” autêntico!!!
      “Parabéns Lira pela postagem e por assumir sua missão de educadora e libertadora! Que Deus nos abençoe em nossos caminhos neste ano e abençoe a todos!”
      Isso me deixa tão FELIZ!
      Obrigada, lindo poeta...

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  2. Nilson Correia dos Santos11 de fevereiro de 2013 às 20:04

    Muito bom estar aqui seguindo e degustando o que há de melhor. Sou fã de Paulo Freire, como também de Frei Betto,ainda do meu professor de didática geral, o Sr Paolo Nosela e de tantos outros. Todos os posteres desta página só nos faz bem. Traz uma riqueza incalculável de aprendizado e de contato com a nossa língua master. Só o despertar da consciência e o combate a alienação já se faz jus a esta bela Junção de escritos notáveis. Um excelente aproveito para todos nós!!!

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    1. Nilson, você diz coisas tão bonitas e significativas que me deixa sem palavras...
      É muito bom para mim, contar com você seguindo e participando do meu blog. E saber que você gosta do que ler nas minhas modestas postagens. Às vezes as pessoas comentam que as minhas postagens são muito boas, que gostam muito desse blog, e eu digo que é porque tudo é feito com muito carinho e respeito às inúmeras pessoas que aqui vêm.
      Mário Quintana diz, com outras palavras, em o poema “Os Poemas” que o alimento do poema está em quem lê. E eu vejo assim tudo o que a gente escreve...
      Como você, também sou fã de Paulo Freire, Frei Betto e outros... São apenas algumas, de muitas outras coisas que temos em comum na vida e na luta, não é verdade?
      Abraços carinhosos. Lira.

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