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domingo, 15 de maio de 2011

Luz Sob a Porta

“A primeira coisa, que um para ser alto nesta vida tem de aprender, é topar firme as invejas dos outros restantes...” (Guimarães Rosa – Grande Sertão: Veredas”


           Dia 13 p. p. fizemos em nossa escola a reunião de pais do primeiro bimestre de 2011. Momento de refletirmos sobre os muitos desafios que envolvem família-escola-sociedade na aprendizagem (ou não) dos alunos (as). Uma sociedade muito persuasiva... Sendo assim, é preciso que os nossos jovens tenham bastante sabedoria para optar por aquilo que é melhor, verdadeiramente importante, e andar com seus “próprios pés”.
          Deixo esse conto para leitura e reflexão. Nélson, o personagem do conto de Luiz Vilela, vence as tentações frente às insistências e gozações dos colegas... Valoriza também a família...
          Para ilustrar, peço licença aos alunos (as) dos 3ºs de uns anos atrás para publicar a foto do grupo que trabalhou esse conto. Fizemos, na época, um trabalho que consistiu em ler, adaptar o texto para a “linguagem teatral” e apresentar em classe. Foram vários contos, várias apresentações, várias aprendizagens...






Boa leitura e boa reflexão para todos nós.


LUZ SOB A PORTA
LUIZ VILELA

– E sabem o quê o cara fez? Imaginem só: deu a maior cantada! Lá, gente, na porta da minha casa! Não é ousadia demais?
– E você?
– Eu? Dei té-logo e bença pra ele; engraçadinho, quem que ele pensou que eu era?
– Que eu fosse.
– Quem tá de copo vazio aí?
– Vê se baixa um pouco essa eletrola, quer pôr a gente surdo?
– Você começou a me falar aquela hora...
– Kafka? Estou lendo. O processo. Delirando. Kafka deixa a gente angustiada.
– Já passei minha fase de Kafka. Estou lendo agora é Sartre; O muro, já leu? Bárbaro.
– Gosto mais de A náusea.
– Vocês não vão dançar?
– Toninho, põe os Beatles.
– Escuta essa aqui, gente, escuta só essa aqui, é o máximo; conta, Guido, conta aí...
– Vocês não conhecem? A das duas bichas fazendo tricô?...
– Onze e vinte: já vou.
– Você está doido? Agora que a festa começou, agora que está ficando bom; aquelas duas ali que chegaram, viu só que material?... Agora que a coisa está ficando boa, e você vai embora? Pra quê essa pressa?
– Já te falei, é aniversário da minha mãe, preciso ir lá.
– Você vai deixar isso tudo aqui?
– É aniversário dela, não fui lá ainda.
– Você vai amanhã. Será que ela vai morrer se você não for hoje?
– Você não compreende; ela deve estar lá me esperando; eu nunca deixei de ir.
– Você está com algum macete aí fora e não quer contar. Onde já se viu sair de uma festa dessas pra ir na casa da mãe.
– Qual foi o galho aí, gente?
– A mãe do Nélson.
– Quê que houve com sua mãe, Nélson? Ela está doente?
– Ele está dizendo que vai embora; é aniversário dela, ele vai lá. Eu disse pra ele que...
– Embora? De jeito nenhum. Não tem nem uma hora que você chegou aqui.
– Preciso dar uma chegada lá, Maria, é aniversário dela, não fui lá ainda.
– Essa hora? Sua mãe já está dormindo.
– Não está não, eu sei.
– Te garanto. Mais de onze horas. Você vai lá amanhã.
– Vocês não compreendem.
– Complexo de Édipo...
– Não, você não vai embora não. Deixa sua mãe pra depois; que diabo, você está fazendo pouco-caso de minha festa? Vou encher seu copo.
– Não, Maria.
– Deixa de onda, Nélson; enche o copo dela aí, Maria, pode encher.
– Cadê seu copo?
– Não, Maria, já estou indo.
– Poxa, você é casado com sua mãe, ou quê que é?
– Vocês não compreendem.
– Você tem medo de sua te pôr de castigo?
– Tadinho, a mãe dele vai pôr ele de castigo...

Ao sair do táxi, olhou as horas: cinco pra meia-noite.
Havia luz sob a porta, ela estava esperando-o.
– Eu sabia que você vinha.
– A senhora não devia ter-me esperado até essa hora. Mamãe, já é tarde; eu viria amanhã.
– Não estou com sono. E, além disso, eu tinha certeza de que você vinha. Você nunca deixou de vir.
Sentada à mesa, a mãe sorria feliz para ele.
– Veio mais alguém aqui? – ele perguntou.
– Encontrei com a Dulce na porta, ela lembrou e disse que vinha, mas não veio: decerto tornou a esquecer. Pensei também no Rubens; ele sempre vinha, o ano passado mesmo ele veio; mas dessa vez ele também não apareceu, não sei por quê.
– Quer dizer que a senhora passou o dia sozinha?
– Passei, mas não teve importância; eu arranjei uma costurinha para fazer. Pensei que você vinha de tarde e fiquei te esperando; toda hora que eu ouvia passos no corredor, eu pensava que era você; mas depois passou a tarde, e, como você não veio, eu pensei que você tinha deixado pra vir de noite.
– Eu queria vir mais cedo. Se eu tivesse vindo, a senhora não precisaria ficar esse tempo todo me esperando.
– Não estou com sono; gente velha não tem sono.
– A senhora não é velha – beliscou de leve a mão dela, num carinho. – Já falei que a senhora não é velha: a senhora é um broto, viu? Não fale mais que é velha.
A mãe sorriu.
– Comprei umas garrafas de guaraná, para o caso de vir alguém; mas não veio ninguém... Quer tomar uma? Fiz também daqueles biscoitinhos que você gosta...
Ela foi buscar.
Encheu o copo dele.
– E a senhora, não vai tomar?
– À noite não gosto de comer.
– Segunda eu vou trazer um presente pra senhora, hoje de manhã não tive tempo de comprar.
– Incomoda não; eu sei que você não anda bom de dinheiro; eu também não estou precisando de nada. Meu presente é você ter vindo...
– Eu podia ter passado o dia com a senhora.
– Você quase não tem tempo, Nélson.
– À tarde eu tive; eu podia ter vindo.
– Você veio agora, já está bom.
– Se eu tivesse vindo, a senhora não teria passado o dia sozinha.
– Eu arranjei essa costurinha para fazer.
Comeu outro biscoito e tomou um gole de guaraná.
– E o Álvaro? Também não veio?
– O Álvaro? Há tanto tempo que não vejo o Álvaro, tanto tempo que ele não vem aqui... A gente vai ficando velha, os outros vão se afastando...
– A senhora não está velha.
– Estou sim, Nélson; eu sei que é amor de filho, mas eu estou: setenta anos é muita coisa.
– Vovó viveu até os noventa e cinco.
– Eu sei, mas eu não quero viver isso tudo. Depois de certa idade, a gente só dá trabalho aos outros, não quero viver tanto assim.
– Mas eu quero, Mamãe.
– Setenta anos é muito; já basta. A gente começa a se sentir cansada, vai perdendo o gosto pelas coisas. Não quero viver muito tempo.
– Quer sim, Mãe. A senhora tem de querer.
Segurou-lhe o queixo com carinho:
– Tem de querer, viu?
A mãe baixou os olhos: estavam molhados.
– Por que a senhora está chorando?...
– Você demorou tanto, Nélson... Já estava pensando que você não vinha mais...
– Eu nunca deixei de vir, Mamãe.
– Eu sei... Mas você demorou tanto... Você nunca tinha demorado assim... Eu não queria pensar isso, mas você nunca que vinha... Eu te esperava, mas você nunca mais que chegava...
Ela chorava, de cabeça baixa.
– Está bem, Mamãe – disse, pondo a mão no braço dela –; mas agora não chore mais; eu já estou aqui.
– Eu não queria pensar isso... Eu sei que você nunca deixou de vir... Eu não queria pensar isso... mas você estava demorando tanto...
– Está bem; não tem importância. Mas agora não chore mais.

(Tarde da noite. 4. ed. São Paulo, Ática, 1988.)

2 comentários:

  1. Passando só para deixar um oi. Professora, finalmente visitei o Museu da Língua Portuguesa, gostei bastante, deveria ter ido antes (:

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  2. Oi Thiago!
    Que bom que você passou por aqui! Deu um “oi” e uma notícia maravilhosa: a sua visita ao museu da Língua Portuguesa! Fiquei feliz com o “gostei bastante, deveria ter ido antes”. A sementinha que se planta em sala de aula, mais dia menos dia dá o seu fruto, não é? Sempre me lembro de vc, da sua “preguiça” (às vezes) e sempre torço para que use o grande potencial que tem para descobrir novos e bons caminhos.
    Volte sempre ao Mire e Veja e ao Museu... Com certeza terá muita coisa bacana a descobrir sobre a nossa literatura, cultura, e querida Língua materna.
    Bjos da profa.

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